23 de novembro de 2015

Pelado

A gente é feito de sangue, osso, carne e pelos. Algumas carnes mais moles, outras mais duras, mas tudo carne.

Os corpos, por mais diferentes que sejam, são apenas corpos. Servem para carregar nossas dúvidas, angústias e alegrias. E as memórias ficam impressas no corpo, mesmo que algumas sejam esquecidas.

O corpo, apesar de tão simples, é sagrado. Mas não por deuses ou pelo sobrenatural, mas sim por sua imperfeição. Cada estria, cada mancha, cada espinha, cada cicatriz é um símbolo dessa imperfeição e do próprio caráter efêmero do corpo, sempre em construção e reconstrução. O corpo não vai estar concluído nem quando o coração bater pela última vez. O corpo se desconstrói. 

Demorei para assumir meu corpo. Não gostava de mostrá-lo para ninguém. Ficar no time dos sem-camisa no futebol do colégio era um suplício. Gostava de camisetas folgadas. Se pudesse entraria na praia de roupas. 

Não curtia do meu corpo. Pernas finas, barriga, orelhas grandes. Pelos e mais pelos. Eu queria ser branco, sem pelos e magro. Pensando bem, acho que queria ser quase como os ETs dos filmes da década de 80. Nunca ia chegar nesse corpo imaginário.

Engordei, emagreci, engordei de novo, voltei a emagrecer e meu corpo nunca virou o meu corpo. Eu devia emagrecer mais, malhar mais, me depilar mais. Nunca ia chegar ao meu corpo verdadeiro. Eu gostava de transar quase no escuro.

Decidi então assumir meu corpo. Com todos os pelos, carnes, estrias, cicatrizes, angústias e cores.

Eu havia engordado muito e resolvi me matricular na natação. A caminhada do vestiário até a piscina foi uma das mais longas da minha vida e, claro, achei que todos me julgavam. Entrei na água e havia vários corpos. Gordos, magros, novos, velhos. O meu corpo era apenas mais um ali.

Em casa comecei a olhar meu corpo sem roupa, mesmo que não quisesse ver todos aqueles defeitos. Com o tempo essas imperfeições passaram a não importar muito, comecei a gostar mais de mim e do meu corpo. Levei trinta anos para assumi-lo.

Resolvi então participar do Chicos (www.chicos.cc) , um projeto sobre corpos e homossexualidade. O Rodrigo e o Fábio, organizadores do projeto, vieram a Brasília e um amigo indicou meu nome. Chegou a mensagem do Rodrigo e eu fiquei o dia inteiro pensando no que responder. Claro que eu não vou participar, até parece. Decidi  chegar em casa, tomar um banho, conversar com meu namorado, que também foi convidado, e só então dar minha resposta. Três dias depois o Rodrigo estava lá em casa.

Algumas cervejas, risadas e muitas conversas depois eu estava sem roupa no sofá da sala. É estranho ficar nu na frente de alguém sem que tenha nenhum contexto sexual. Mas não é uma sensação ruim. Todo mundo tem um corpo e esse é o meu.

Por que escondê-lo? Por que se preocupar com a opinião dos outros? É o meu corpo e espero que alguém possa se identificar com minha história e com minhas experiências que também foram retradas no projeto. Mas mesmo que ninguém se identifique, é a minha história. O que é ser gay para mim? Como foi a descoberta da minha sexualidade? Como é a relação com a minha família. Minha história é só mais uma. Meu corpo é só mais um.

A sessão de fotos acabou, mas continuei sem roupa enquanto a gente comia o jantar que o meu namorado fez. Eu continuei nu. Rodrigo e Iran com roupas. Mas nem fazia diferença, tudo estava tão natural para mim.

Não me preocupava se tinha gorduras, pelos, estrias. Não me preocupava com a forma que meu pau, meu saco e minha bunda estavam. O meu corpo virou um todo. E eu gostei dele. Gostei de mim.

As fotos e o vídeo ainda vão demorar alguns meses para serem publicados. E eu não tenho ideia de como ficaram. Mas não importa. Sou eu ali. A única diferença é que estou sem roupa e com menos barreiras.

Pra ilustrar, resolvi me olhar no espelho, fazer algumas poses e tirar um auto-retrato. O desenho foi feito baseado nesse nude.

3 de novembro de 2015

Canseira

Tem dias que até os ossos doem. O tutano dói, lá dentro do osso. E se tiver algo dentro do tutano também vai doer. É um cansaço na alma. Como a xícara depois do café, quando fica só uma borra seca, aquela crosta que um dia já foi café, às vezes até um café bom. Mas lavou tá novo. Dormiu e de repente tudo fica um pouco melhor. O ano já tá quase acabando.

19 de outubro de 2015

Clarice

Faxinas

Ele acordou e não conseguiu ir ao trabalho. Não era uma doença grave, bastava algumas medicações intravenosas, um atestado e algumas horas para ajeitar de novo a cabeça. Era preciso um dia inteiro para isso.

Uma faxina na casa, uma faxina nele. Enquanto se arruma a casa a cabeça também vai se consertando aos poucos. Ao arrumar a sala, o quarto, a cozinha, sempre se encontra alguma coisa esquecida atrás do sofá, do fogão, da cama. Da mesma forma, algumas coisas ficam escondidas dentro da cabeça. As ideias estão lá dentro, mas escondidas atrás de outras. No meio da faxina ele encontrou uma fotografia sua antiga e sentiu saudade daquele rosto, sorriso e olhos que já foram - e ainda são - seus. Onde estão? Tinha um monte de ideia empoeirada na frente, uma bagunça, mas ele sabia que ele mesmo ainda estava ali. A bagunça é ele também.

A faxina durou o dia inteiro, dentro e fora da cabeça. Quando terminou a arrumação da casa, ainda precisa terminar de arejar a cabeça. Tinha uma bicicleta ali em algum lugar. Encontrou dentro e fora da cabeça. Pegou e foi passear na tarde quente. Vento quente, asfalto quente, cabeça quente. O cabelo balançava, o suor escorria e a cabeça arejava enquanto o sol atrasado do horário de verão descia no horizonte.

Amanhã não vai ter folga. Vai trabalhar dobrado. Mas com a casa e a cabeça menos bagunçadas tudo fica mais fácil.

Quem sabe essa bagunça seja uma forma de ver que o que está bagunçada é a vida mesmo. Ele ainda precisa descobrir como ajeitar a vida, mas uma coisa de cada vez.

15 de outubro de 2015

Um ano depois

Daqui a alguns dias completará um ano que saí de São Paulo. Cheguei em Brasília com muitas malas, muito cansaço e muita vontade de ficar dois meses de férias para arrumar o apartamento e me readaptar. E sem muita ideia do que aconteceria com a minha vida.

Eu estava em licença do meu emprego antigo, então eu poderia voltar para ele em até seis meses após chegar em Brasília, mas o dinheiro que ganhei com a a demissão do emprego de SP já estava acabando e minha poupança foi toda para o novo apartamento. Voltar para o meu emprego público sem graça, usar esses meses até o final da licença para pensar em outros caminhos? Lógico que optei pelo mais fácil. 

Mas não foi fácil. Mesmos rostos, mesma rotina. Parecia que eu não tinha passado quase três anos em São Paulo. Ao menos a cidade estava diferente. Mais eventos, mais festas, mais lugares. E é bom ter uma rotina menos estressante.

Um ano depois quase nada mudou. Continuo na minha muleta pública. Ganho um salário razoável, trabalho oito horas por dia, férias, décimo terceiro, estabilidade. Estou terminando de pagar os empréstimos do apartamento. 

Moro em um apartamento próprio, tenho carro próprio, meu trabalho é estável, moro com quem eu amo, tenho amigos, vejo sempre minha família e tenho saúde. O que mais desejar? Tudo parece ótimo. Preencho todos os requisitos de felicidade da grande maioria da população.

Então eu deveria estar feliz. Deveria procurar um outro trabalho público que pague melhor, comprar um carro mais novo, mudar para um apartamento mais perto do centro da cidade e continuar girando a roda viva até chegar em um super emprego público com um carro importado e, claro, morar em um desses apartamentos gigantes da Asa Sul.

Mas não. Eu quero outra vida. Quero me reinventar. Quero me jogar em um projeto, criar, empreender. Quero aprender outras coisas, conviver com outras pessoas. Quero me arriscar. Quero sair dessa bolha de conforto que tem me aprisionado. Quero enlouquecer.

Quero aprender a fazer café, quero meditar mais, quero desenhar mais, quero cozinhar mais, quero abrir um café, quero dar cursos, quero ter um negócio, quero trabalhar com internet, quero gravar vídeos, quero escrever mais. Quero uma vida mais leve, mais colorida, mais interessante.

Minha vida hoje é simples, mas não tem graça. Não tem desafio. Eu tenho a possibilidade de fazer tantas coisas, mas acabo sem fazer nada. Trinta e dois anos e ainda não consigo escolher um restaurante para comer. Não consigo parar para desenhar, escrever, criar, fazer um simples projeto. Tenho 32 e tenho sido um péssimo amigo, péssimo namorado, péssimo filho, péssimo irmão. Tenho sido um ser humano péssimo, medíocre, frustrado. 

Eu quero ser o melhor de mim. E não quero mais perder tempo girando em um shopping sem saber para onde ir. Quero ter um rumo meu. Quero ser o meu melhor. Quero ser alguém que eu sinta orgulho. E não dá mais pra esperar.

1 de outubro de 2015

Tranks

A vida não melhorou muito, continua mais ou menos igual. Mas algumas ideias começaram a aparecer e, mesmo que sejam só alguns pensamentos soltos, é ótimo poder sair um pouco desse quarto escuro que tem sido minha vida. Não é fácil ficar trancado e sufocado e por mais que essas ideias para um futuro não muito distante possam parecer loucas, acho que vai ser ótimo sair dessa zona de conforto, chata e sem graça. Talvez seja preciso pirar, tirar as rodinhas de apoio da bicicleta e arrancar a tela de proteção. Apesar de concretamente não ter mudado nada na minha vida, dentro deu uma boa mexida.

8 de setembro de 2015

Pele, fogo, água e fotossíntese

Eu adoro o sol. Minha pele sem sol fica cinza, esbranquiçada, sem graça. Voltei ao sol, ao fogo, ao bronze. O sol de meio dia faz mal, mas pensando bem, quase tudo faz mal, até não fazer nada. Minha pele agora pega fogo, apesar de estar dentro d'água. Voltou a ser a minha pele e não essa casca seca. Aos poucos volto a habitar esse corpo, volto a abrir as janelas e a deixar entrar o sol, o calor e o mormaço. Aos poucos sai esse cheiro de mofo, essa poeira e neblina seca. Aos poucos consigo ser eu de novo, mas um eu novo.

2 de setembro de 2015

Quase parabéns

Não sei se todo mundo fica mais triste perto do aniversário. Quando eu era mais novo pegava o calendário no começo do ano para saber em que dia meu aniversário iria cair, mesmo que ainda demorasse nove meses. E todo dia 10 eu fazia uma contangem regressiva dos meses que faltavam até a hora de receber meus parabéns.

Mas ao ficar mais velho o aniversário já não faz assim tanta diferença. Afinal, já foram 31 aniversários. O trigésimo segundo vai ser mesmo tão especial? Ainda mais depois de viver tanta coisa e voltar para o mesmo emprego da época que eu tinha 25 anos. Poderia ser pior, talvez nem emprego eu tivesse.

Eu sei, o trabalho não me define. E preciso pagar as contas no final do mês.

Chegar aos 32 sem ter ideia do rumo a seguir na vida, economizar o mês todo para sobrar 100 reais na conta e não ter nenhum plano concreto para mudar isso. E a cada ano que passa fico mais chato, mais triste e mais isolado. Se continuar nesse ritmo, ninguém me aguenta nos 40.

Ok, aos pouquinhos (bem 'inhos') mudo algumas coisas. Comecei a nadar e já estou mais magro e mais bronzeado. E comecei a meditar. E a desenhar. Não sei a relação entre essas três coisas, tavez seja a vontade de uma vida mais lúdica e sem a natação/meditação/desenho eu estaria bem pior.

Fico esperando algo acontecer para mudar minha vida, mas sou eu quem precisa fazer alguma mudança mais significativa. Eu não quero chegar aos 33 pior do que estou nesse final de 31.

Tenho uma semana pra melhorar um pouco esse quadro e decidir o que fazer para comemorar.

13 de agosto de 2015

Um milhão

O que eu faria se aparecesse um milhão de reais na minha conta? Além das viagens ao redor do mundo, de ir a restaurantes e bares, de ajudar minha família, o que eu faria? Eu compraria um viveiro de plantas e no mesmo terreno teria uma floricultura, um café/bistrô com algumas coisas gostosas de comer, uma casa de chá para vender chás a granel ou de saquinho de vários lugares e também com chás para serem consumidos lá, com xícaras diferentes, ampulhetas/timers para medir o tempo de infusão e peneiras. Teria também uma lojinha de design, misturando coisas retrô, antigas, coloridas e  étnicas. Poderia chamar tudo isso com o nome da minha planta favorita. Ou cada um dos sub-negócios com o nome de uma planta. E ia ter sempre música boa tocando, além de cheiros gostosos pelo lugar. Não precisaria ser um terreno grande. Eu compraria uma casinha também. Ou de repente eu moraria por lá, faria nossa casa bem gostosa. E a gente ia trabalhar junto nesse negócio. E desenhar muita aquarela. Aliás, todo o design ia ser de aquarela (cardápios, etiquetas, cartões). Certamente eu não ia precisar de um milhão de reais. Dá pra fazer com bem menos. E começar menor. Mas ia ser ótimo ter um milhão de reais na conta.

12 de agosto de 2015

Sketch

Eu gostava de desenhar quando pequeno, mas nada muito elaborado, pois logo eu me cansava. Gostava de desenhar árvores e casas.

Minha mãe guardou alguns desenhos e não tem nenhum muito extraordinário.

Depois descobri uns programas de desenho no tablet que imitam aquarela, pincel, lápis. Fiz alguns esboços e até usei alguns para ilustrar alguns textos daqui.

E então eu vi que a Luda, uma artista que sigo há um tempo no facebook, ia dar um curso de aquarela dali a algumas semanas. Eu não desenho, mas aquerela não precisa de perfeição. Convenci o Iran e nos increvemos.

A lista de material era enorme e eu não comprava nada artístico desde a escola, ou seja, há pelo menos 15 anos. E a própria sensação de comprar materiais para artes já me fez sentir tão bem, me fez sair desse mundo tão racional de contratos, editais e leis.

As aulas foram incríveis com pessoas que eu não teria conhecido, apesar de provavelmente termos nos cruzado por aí, afinal a cidade não é assim tão grande.

E desde então ganhei um caderno em branco do Iran pra fazer de sketch book e tenho desenhado quase todos os dias.

A vida em si não mudou muita coisa, mas ficou mais colorida. Agora penso mais em formas, cores, sombras. E até tem melhorado mais meu traço.

Essa aquarela que ilustra o texto foi um dos exercícios da aula da Luda.

15 de julho de 2015

Sete perguntas e um propósito

Minha irmã me mandou um link para um texto do Mark Mamson com sete perguntas estranhas que ajudam a descobrir seu propósito de vida (http://markmanson.net/life-purpose#.ijymxi:5bRQ). São realmente perguntas muito estranhas, mas acho que elas na verdade escondem algo interessante. Parecem simples, mas a resposta faz pensar em outras coisas. Ao responder eu lembrava de coisas antigas e também pensava no futuro. 

1. WHAT'S YOUR FAVORITE FLAVOR OF SHIT SANDWICH AND DOES IT COME WITH AN OLIVE?
Não me importo de trabalhar por muitas horas durante o dia, desde que seja algo em que eu acredito. Não preciso ganhar muito dinheiro. 

2. WHAT IS TRUE ABOUT YOU TODAY THAT WOULD MAKE YOUR 8-YEAR-OLD SELF CRY
Eu não pesquiso mais tanto quanto eu gostava de pesquisar (eu lia quase sempre um livro sobre o Egito e hoje em dia eu nem me interesso mais sobre o Egito). Não desenho mais tanto. E talvez tenha perdido um pouco do humor que tinha quando pequeno. E eu era mais destemido. 

3. WHAT MAKES YOU FORGET TO EAT AND POOP?
Esqueci até de ir ao banheiro quando estou lendo algo muito interessante ou vendo algo muito legal na tv (séries ou filmes). Quando tenho um prazo muito apertado ou uma tarefa urgente também e esqueço de tudo: tomar água, ir ao banheiro, comer.

4. HOW CAN YOU BETTER EMBARRASS YOURSELF?
Eu me atrapalho muito e sou muito tímido. Mas passo muita vergonha quando tenho que fazer networking em um evento em que eu não conheço ninguém. Ou quando tenho que falar em público, fazer uma apresentação ou mesmo quando estou em uma festa e não conheço ninguém. 

5. HOW ARE YOU GOING TO SAVE THE WORLD?
Eu queria fazer algo pelo meio ambiente, pelo cerrado. Descobrir ingredientes e espécies interessantes. Gostaria de ter um centro cultural com cinema, teatro, artes plásticas.

6. GUN TO YOUR HEAD, IF YOU HAD TO LEAVE THE HOUSE ALL DAY, EVERY DAY, WHERE WOULD YOU GO AND WHAT WOULD YOU DO?
Eu iria passear pela cidade e tirar fotos de lugares diferentes. Iria andar sem rumo. Talvez me matriculasse em algum curso de design, fotografia, gastronomia. 

7. IF YOU KNEW YOU WERE GOING TO DIE ONE YEAR FROM TODAY, WHAT WOULD YOU DO AND HOW WOULD YOU WANT TO BE REMEMBERED?
Viajaria pelo mundo, tiraria muitas fotos, escreveria um livro, faria um trabalho social em comunidades carentes e curtiria minha família e meu amor. Gostaria de ser lembrado como alguém legal, criativo e que soube viver bem até o último respiro.

13 de julho de 2015

Cloro

Pensando bem a natação é um dos esportes mais sem graça. Nadar de um lado para outro da piscina, bater pernas e braços, respirar com a cabeça pra fora d'água e ficar sem fôlego. Se uma pessoa corresse de um lado para o outro em uma piscina vazia, com certeza seria chamado de louco.

Mas tem coisas que é melhor não se explicar. Eu gosto da água, do cheio de cloro, das braçadas e pernadas. 

Aprendi a nadar quando tinha uns treze anos (pode ser um ou dois pontos para mais ou para menos, como nas pesquisas do IBOPE). Quer dizer, eu já nadava desde pequeno, mas aprendi os estilos no começo da adolescência. Um ortopedista ao ver meu esqueleto meio torto na chapa do raio-x recomendou fisioterapia (a Reeducação Postural Global) e a natação para resolver minha escoliose.

Eu nunca tinha pensado em natação. Tinha tanta vergonha da minha barriga que na hora que eu saía da praia ou da piscina eu já colocava uma camiseta bem larga. Ficar no time dos sem-camisa no futebol da escola também não me agradava.

Nas aulas de natação eu achava uma besteira ter que corrigir a maneira que a mão entrava em contato na água, a altura do quadril na água, a forma como o pés devem impulsionar o corpo. Mas eu sempre fui obediente e não faltava as aulas, que aconteciam perto da casa dos meus pais no final da tarde. Eu ia e voltava de bicicleta na maioria dos dias.

De repente eu já estava nadando os quatro estilos, minha pele era igual a de quem frequenta a praia todos os dias e a barriga já não era mais tão grande. Eu tinha até alguns músculos. E não tinha mais problema de coluna.

Daí fiquei mais velho e a natação já não parecia mais tão legal. Entrava na aula de natação, ficava uns meses, saía. Quando percebi, já tinha uns quatro anos que não nadava. Quer dizer, tem lá uma piscina no meu prédio que eu até nadei algumas vezes, mas não conta.

Voltei semana passada. Ainda estou meio dolorido, mas sentir de novo o cheio do cloro, as pernadas e braçadas me fez voltar aos 13 anos (ou 12 ou 14, sei lá). Aliás, eu tenho buscado me reconectar com esse Vinicius de antigamente, um cara mais leve, mais sossegado e natação tem ajudado.

8 de julho de 2015

Névoa

Uma névoa densa aparece sempre de repente. Pode ter feito um sol e calor no dia anterior, mas alguma coisa muda na temperatura e umidade durante a madrugada e o dia amanhece encoberto, como em um filme de suspense.

A névoa pode também nem ser visível. Em uma hora está tudo bem com a vida, com as perspectivas de futuro e tudo mais. Alguma coisa muda e de repente aparece uma névoa de tristeza. Tudo fica escuro, estranho e sem solução. Pode demorar para a névoa ir embora e talvez seja preciso mesmo chorar. O choro, assim como a chuva, ajuda a dispersar a névoa.

Talvez não faça sol nos dias seguintes. Algumas nuvens teimam em ficar pela frente, mas a névoa já não parece mais tão densa. Dá pra ver ali um pouco mais na frente. Quem sabe faça sol amanhã?



23 de junho de 2015

Pêlo

De repente eu comecei a me tornar um chipanzé. Pêlos começaram a nascer em lugares que antes eram completamente carecas. E, claro, muita vergonha, pois não havia muitos chimpanzés por perto. Demorei pra gostar desse tanto de pêlo e gosto de não ser igual a todo mundo. Demorou muito. Hoje adoro minha barba, meu cabelo, meus pêlos...

22 de junho de 2015

Sangre

Foram três gotas grandes de sangue e muito nervosismo. O exame é rápido, mas parece ter demorado muito tempo. O que era pra ser alguns minutos viraram horas, dias, anos. Sífilis, AIDS e hepatite. Sexo, gay e tatuagem. Achei que tinha ao menos algum deles.

Entre a coleta e o resultado foram apenas alguns minutos. Várias pessoas diferentes. Gays, patricinhas, manos, homens casados, todo mundo nervoso para aguardar o veredicto. Todo mundo junto.

Um pequeno furo no dedo. Placas futurísticas e canudinhos que sugam sangue. Vinte minutos depois uma entrevista.

Quantos parceiros? Camisinha? Hã? Calma.

Nenhum reagente, só minha cabeça reagindo a mil. Nada a se preocupar, diz a moça do Centro de Triagem e Aconselhamento. Ela disse que não preciso me preocupar. Depois disso eu não ouvi mais nada. Eu só queria sair gritando e sorrindo. Não reagente. Ufa! Vieram na minha cabeça aqueles dias sem camisinha, as sessões de tatuagem e, sei lá, mais algumas coisas. Ufa!

19 de junho de 2015

Memórias

Não lembro porque deixei de vir aqui. Nem sempre tem uma razão ou um motivo, simplesmente se deixa de fazer algo que se fazia. Senti saudade e vim. Olhei ao redor, senti os cheiros, os barulhos. Lembrei de outro eu que vinha por aqui. Posso vir de novo como antes. Será? 

15 de junho de 2015

?

Eu não tenho para onde vou. Penso, tento focar e não sei. Claro, tem vários lugares para os quais posso ir, mas não tenho vontade de ir a nenhum. E também não quero ficar. E então continuo nesse lugar nenhum esperando que vire algum lugar.

14 de junho de 2015

Óculos

Uso óculos há vinte anos, desde que eu tinha uns onze anos. Não gostava, mas hoje não me incomodo. De manhã eu limpo as lentes e a visão fica super nítida, nem parece real. No decorrer do dia com a oleosidade da pele e outras sujeiras, meu óculos vira quase um filtro para um filme antigo, desses dos anos oitenta. Ou até mais antigo, dependendo da hora do dia.

12 de junho de 2015

(n)amor

Eu não tinha muita sorte com o amor. Aliás, demorei muito tempo para entender o que realmente é isso.

Nos meus primeiros namoros eu ficava impressionado como alguém podia se interessar por mim e quase morria quando, lógico, o namoro não dava certo. E depois de alguns momentos bons, mas soterrados por várias roubadas amorosas, eu desisti de encontrar alguém. Todo mundo - incluindo eu mesmo - era complicado demais e tudo isso era um desperdício de energia muito grande.

Fui curtir minha vida, sair sozinho, viajar. Eu não me achava bonito e tudo ficava mais fácil quando eu não esperava nada.

E, claro, me apaixonei de novo. Mas dessa vez eu não queria namoro, não queria nada sério. Era gostoso, despretencioso e férias. A gente se via todos os dias e num fuso horário bem diferente do resto das pessoas.

Quando percebi já estávamos morando juntos. E depois morando em cidades separadas. Depois morando juntos em uma outra cidade. E finalmente morando juntos na cidade que a gente nasceu e se conheceu.

E não importa se é dia dos namorados, se é natal, se é semana santa. A gente está junto, briga, se desespera, sente saudade, sente raiva, aprende, se apaixona de novo.

Eu estava com 24 anos quando rolou o primeiro beijo (com caipirinha e músicas dos anos 80 numa festa no subsolo de um pizzaria) e agora já tenho quase 32. E naquela época eu não pensava em nada além de curtir o dia que estávamos juntos. Se alguém me falasse que depois daquele beijo a gente ia viver tanta coisa e já com tantos anos de história, eu ia rir da cara de quem me falasse isso.

Mas eu adoro como a vida gosta de surpreender a gente.

Outro dia a gente conversou sobre qual seria a nossa música. Acho engraçado isso de gente que tem uma música. Será que é alguma dos Smiths? Será que é da Gal Costa? Ou do Coco Rosie? Do Anthony & The Johnsons. Olha, não dá pra ter uma música. Tem uma coletânea inteira e essa da Grace Jones ficou na minha cabeça esses dias: "não sou perfeito, mas sou perfeito pra você".

29 de maio de 2015

Zumbi

Acordo comum gosto amargo todos os dias. Respiro fundo quando ouço desligo o alarme do celular. E então me arrasto para o banheiro, olho o celular, notícias, fotos, besteiras. O espelho mostra como seria minha versão em um apocalipse zumbi. Por que será que nos filmes os zumbis gritam "Cérebro?". Vou atrás da minha comida de zumbi na cozinha. Tem vezes que não tem nada, outras vezes o pacote de tapioca me olha. Cérebro! Tem vezes que minha versão zumbi me acompanha durante o dia inteiro. Eu já nem faço mais a barba, meu cabelo não tem mais corte e nem ligo para as minhas roupas. Cérebros... Cadê o meu?