25 de outubro de 2023

Respiro



Os dias estão bem sombrios com várias guerras que parecem o tempo todo que irão escalar para conflitos regionais ou mundiais. Ao mesmo tempo fico com essa vontade de saber sempre as notícias, afinal é só entrar em um aplicativo de redes sociais ou os portais de jornais para saber tudo o que tem acontecido. Acordo e já acesso essa montanha de informação, tudo urgente, caótico e apocalíptico. Termino uma tarefa no trabalho e então já volto para a minha dieta de informação. Só um pouquinho para saber o que tem acontecido. E então me distrair com alguma novidade de um amigo ou alguém que sigo. Ou uma notícia mais amena de alguma pessoa famosa. Antes de dormir giro as linhas do tempo intermináveis dos aplicativos. Quando me dou já passou uma hora de giro infinito. Estou esgotado. Preciso de uma dieta em vários sentidos. Preciso respirar. Preciso sair da minha rotina. Hoje tive um evento presencial no trabalho, um seminário de um assunto que não é minha atribuição principal. Tenho preguiça de ir presencialmente, mas estou cansado de ficar na frente do computador. Encontrei colegas. E tem sido bom sair da rotina. Vim almoçar em um centro cultural perto de onde é o evento. Não abri os aplicativos de redes e nem vi notícias. Coloquei uma música no celular, um álbum de música clássica, bem baixinho. Escuto as cigarras que gritam na área verde aqui perto. Respiro um pouco enquanto espero o almoço. Depois vou ver uma exposição de arte. Respiro. Não dá pra controlar tudo, mas parece que às vezes o universo tenta de alguma forma comunicar que é preciso respirar. Como as cigarras que gritam agora aqui perto, enquanto escrevo e espero meu almoço chegar.


23 de outubro de 2023

Ufa!



Correu tudo bem na cirurgia e realmente o ser humano é mais forte do que pensa. Minha mãe foi muito forte, teve coragem de enfrentar a cirurgia e a internação na UTI. E eu consegui ficar com ela por mais de sessenta horas, dormindo em uma poltrona reclinável ao lado da cama dela, junto daquelas paredes de cortina que delimitam os quartos. Tudo correu bem, conversamos e pude ajudá-la no que foi necessário. Ficar em um UTI é estar em um mundo paralelo, sem saber se é dia ou noite, sem saber se já passou um dia ou uma semana. E saber que tanta gente está ali para ajudar. E agora é torcer para a recuperação da minha mãe ser plena.

11 de outubro de 2023

Tudo vai dar certo



Minha mãe vai fazer uma cirurgia na semana que vem, uma cirurgia complicada e demorada. Estou com muito medo. A burocracia do plano de saúde levou meses, então tudo ficou apenas no plano das ideias. No começo da semana finalmente foi aprovada e então recebi um misto de emoções: felicidade pela aprovação e se tudo der certo minha mãe vai parar de sentir dores no joelho, mas ao mesmo tempo um medo irracional, pois é um procedimento arriscado. Repito um mantra quase diariamente, tanto para mim quanto para ela. Tudo vai dar certo. Tudo vai dar certo. Mas não deixo de sentir medo. Meus pais estão velhos e frágeis. Vejo as fotos que o celular me mostra e percebo como eles envelheceram nos últimos cinco anos. Muita aconteceu, claro, mas é nítido o envelhecimento. É difícil lidar com o envelhecimento, mas é mais difícil lidar com a finitude dos pais. Eu sempre existi em um mundo em que meus pais estão vivos, mas sei que eles não estarão aqui para sempre. Sei racionalmente, de forma abstrata, mas só de pensar um pouco mais já sinto uma dor enorme. E essa cirurgia me fez entrar um pouco mais nessa piscina de dor. Acho que se fosse eu a estar naquela sala de operações não sentiria essa agonia. Mas tudo vai dar certo. Tudo vai dar certo. É o que me resta tentar me confortar com esse mantra. Tudo vai dar certo.

6 de outubro de 2023

Outubro



O ano já praticamente acabou. Depois do dia das crianças os shoppings e lojas já devem colocar as decoração de natal. O tempo passa ligeiro. Meus pais ficam cada vez mais velhos. Envelhecer não é fácil. Gostaria que eles tivessem muito ainda, mas sinto que terei pouco tempo com eles. Tento aproveitar o máximo. Falo sempre com minha mãe, procuro saber como ela está e se dormiu bem ou se precisa de algo. Estamos em uma fase boa. Daqui a pouco é seu aniversário. Meu pai está estável, mas sinto que ele já está na contagem regressiva para a partida. Não se interessa por coisas novas, não quer sair de casa, ele está parado no tempo. Eu entendo o lado dele, não é fácil estar há tanto tempo na terra. Ele já viveu tanta coisa. Não sei como vai ser minha velhice. Espero ter independência e saúde. Espero que ainda haja um planeta. Espero viver muitas coisas ainda. Aprender muito, conhecer coisas novas. Mas de qualquer forma estou vivo, minha família está viva. E hoje é sexta!

28 de setembro de 2023

Ida e volta



De volta. É difícil, mas ter ido compensa tudo. É importante sair da rotina, sair de tudo, chegar em outro planeta em que tudo é diferente. Outras comidas, outras pessoas, outra língua. E é bom ter para onde voltar, mas a volta é difícil. O mundo continua a roda, então tudo é diferente na volta, inclusive eu mesmo. Mas é preciso voltar, para depois ir de novo em outro momento. Como um pêndulo eterno. Vai e volta. O pêndulo é eterno, mas cada movimento é diferente. Voltar é difícil, mas é preciso voltar. E rever tudo. Mas também reencontrar, inclusive comigo mesmo. Depois de tanta cor, sabor e som, acho que é importante voltar para o cinza, insosso e silencioso para entender mais essas cores, sabores e som e pensar nos próximos.

25 de setembro de 2023

Peru



O Brasil se considera um continente, diferente dos outros países da América Latina. Não chegam muitas informações ou notícias dos vizinhos, a não ser quando ocorre algo muito fora do comum, mas em geral mesmo assim são pequenas notas. 
Antes de viajar ao Peru eu só sabia que lá se come ceviche, quinoa e milhos de vários tipos, não necessariamente nessa ordem. Vizinho ao Acre. E que lá estão as ruínas dos incas, principalmente Machu Picchu. E que houve uma tentativa de golpe de estado há poucos meses, com a prisão do presidente. Pronto, pequeno resumo da cultura peruano que chega ao Brasil.

Para comemorar meus quarenta anos fomos para o Peru. Voo direto de Brasília a Lima, poucas horas. E depois para Cusco, a capital do império inca e o umbigo do mundo inca. Assim que chegamos já deu para sentir uma identificação, pois há muito mais coisas parecidas do que diferentes. Colonização europeia, desigualdade social e instabilidade política. 

Cusco me pareceu um pouco as cidades históricas mineiras com suas ruas de paralelepípedo e os sobrados coloniais. Mas sem a escravização africana e o extermínio dos povos tradicionais. E com as ruínas incas, construções que resistiram a séculos de colonização e a vários terremotos.

Machu Picchu foi um dos lugares mais lindos que eu já fui. Até agora não consigo explicar. O trem (com uma pequena peça de teatro musical), o ônibus (rente ao despenhadeiro), a chegada de perder o fôlego, as ruínas em si, os alinhamentos com o sol e as estrelas. Sentir a cultura inca ainda tão viva. O condor, o jaguar e a serpente. As lhamas e alpacas pastando aos pés das ruínas. Tão tranquilas, como grandes poodles misturados com ovelhas e camelos.

Lima parece uma mistura de Rio de Janeiro com São Paulo. Uma metrópole com praia, cheia de restaurantes e cafés, igrejas coloniais. Mas bem segura e limpa.

Foram muitos ceviches, chichas moradas, inca colas, chicharrónes, choclos, arroz chifas, tacu tacu, lomo saltado, cusqueñas, piscos e tudo mais. Voltei apaixonado pelo Peru, pelos soles, pelas lhamas, alpacas, cuis (não tive coragem de comer os porquinhos-da-índia). As pessoas todas muito simpáticas, muita gente com roupas típicas sem ser para turista ver. Uma viagem perfeita! Mal posso esperar para voltar. Mais fotos aqui.

11 de setembro de 2023

40tinha



Cheguei nos quarenta. Não foi fácil chegar até aqui, mas nunca é. Claro, não faltaram crises, mas também teve muita risada e muito amor. Não gosto de ser o centro das atenções, então é bem difícil organizar uma festa de aniversário e ser o anfitrião, mas respirei fundo e fui. Contratei churrasqueiro, garçom, preparei um convite, encomendei o bolo e os docinhos com minha amiga, conversei com várias pessoas e comprei aos poucos as bebidas. Decidi fazer na churrasqueira da casa dos meus pais, da casa da minha infância. O quintal cheio de plantas, um dia de sol. Meus pais chamaram alguns amigos e eu decidi chamar apenas as pessoas que considero família, não queria algo muito grande. Pensei em 25 pessoas, mas no final, como foi no meio do feriado, vieram umas vinte. E foi ótimo. Um dos dias mais divertidos que eu já tive. Esses rituais são importantes. Certamente se eu não tivesse comemorado eu teria me arrependido. Fiquei muito cansado, mas com um sorriso de orelha a orelha. E todos se divertiram muito, inclusive meus pais. O único contratempo foi uma tentativa de golpe bancário bem na hora que eu ia cantar os parabéns. Depois liguei para o banco e correu tudo bem.

Finalmente chegaram os 40 e estou feliz de envelhecer. O mais difícil é que o tempo não fica parado, então todos envelhecem, inclusive os mais velhos. Mas é a regra. O tempo cronológico só vai em uma direção, implacável. O jeito então é seguir e aproveitar os bons momentos, comemorar sempre que possível.

O bom do aniversário cair no final de semana é que foram dois dias de festa. No sábado o churrasco e no domingo apenas preguiça. Meu marido encomendou pães, croissants e muitas coisas gostosas para um café da manhã especial aqui em casa. Até pensei em sair, mas depois da festa senti tanto cansaço que queria apenas ficar em casa. Aliás, tenho amado cada vez mais minha casa. Talvez já é um indicativo da passagem do tempo.

Eu não me sinto velho, mas ao mesmo tempo sei que não sou mais jovem. Não sei o que vai acontecer nos próximos anos. Sei que sou apegado e acomodado, mas também sei que tudo tem seu tempo. Espero viver bastante e viver muitas vidas. Quem sabe quais novas oportunidades podem aparecer. De qualquer forma sei que sou cauteloso e me preparo sempre para os momentos difíceis. E que venham os próximos anos. Tenho gostado muito do que já vivi, talvez a metade da minha vida tenha passado e é ótimo. A vida não é para sempre.

8 de setembro de 2023

Respiro e tradições



Tenho uma tradição de sempre tirar férias perto do meu aniversário. E agora não foi exceção. Consegui tirar uns dias fora do trabalho para comemorar meus quarenta anos e ainda viajar aqui pela América Latina. Na frente do prédio tem um ipê rosa que sempre floresce no começo de setembro e segura a floração até meu aniversário. Virou também uma pequena tradição. Assim que saio do prédio a pé ou de carro vejo logo em frente esse ipê lindo e agora florido. Aproveitei uma caminhada para ir mais perto dele, sentir as pétalas que caiam com o vento, como em um filme japonês antigo, só que não é floração de cerejeira, mas é quase. Gosto de observar esses pequenos tesouros da vida. Enquanto vejo o por do sol da janela do escritório aqui de casa escrevo esse texto e deslogo dos sistemas do trabalho. Sinto uma felicidade calma. Um respiro. Estou feliz comigo mesmo e com minhas escolhas. Feliz em envelhecer. Feliz.

6 de setembro de 2023

Mergulho do corpo



Chegou um convite para um evento presencial de trabalho. Na mesma hora já me veio a ansiedade de sair completamente da minha rotina e de deixar meu cachorro sozinho em casa. Mas então o jeito é resolver uma coisa de cada vez. Não tenho mais roupas de trabalho, pois há quase quatro anos trabalho de casa, ou seja, camiseta e bermuda. Na mesma hora entrei em uma loja online e escolhi algumas camisas de botão, que foram entregues antes do dia que eu precisei ir ao evento. Programei vários lembretes no calendário do meu celular, pois sempre imagino que minha versão do futuro não tem nenhuma memória.

Na noite anterior já não dormi direito, acordei bem mais cedo do que de costume. Brinquei com meu cachorro e expliquei para ele que precisava ficar o dia todo fora. Coloquei um café da manhã caprichado para ele, descemos para passear e depois meu café. Esqueci como o trânsito de horário comercial é pesado. Como é bom trabalhar de casa. Cheguei, não tinha mais cadastro e não havia feito minha biometria, mas expliquei que vim para o evento e me liberaram com crachá provisório. Assim que entrei encontrei um colega da época da faculdade e que também ia para o evento. Conversamos. Fui para o setor do meu trabalho conversar com os colegas que estão no presencial. Foi bem legal rever as pessoas e conhecer outras tantas que só via pela janelinha da videochamada. 

Hora do evento. Muitas palestras. Mais encontro com colegas. Almoço com o pessoal no restaurante de quilo de comida nordestina. Mais palestras. Pausa pra o lanche. Conversas com outros colegas. Fim do evento. Engarrafamento. Já chego em casa de noite. Meu cachorro briga comigo, mas abana o rabo e já está feliz que vai comer seu jantar. Estou completamente esgotado do trânsito e das interações sociais.

No dia seguinte a mesma coisa, mas dessa vez na hora do almoço vou a um centro cultural ao lado do meu trabalho ver um pouco de arte. Oiticica e Portinari. Parece que sou turista na minha própria cidade. É bom ter um respiro de arte no meio de tudo isso. Saudades da minha casa. Mais palestras. Engarrafamento pior do que do dia anterior, chego ainda mais tarde e meu cachorro já está adaptado a essa nova rotina. Mas bom que foram só dois dias.

É bom sair da rotina, viver coisas novas, reencontrar colegas, interagir. Mas eu gosto mesmo da minha boa e velha rotina.

24 de agosto de 2023

Memórias, framboesas e acaso



Um docinho simples me levou para um lugar cheio de neve e boas memórias, uma versão mais latina das madeleines de Proust. As franui são framboesas cobertas em chocolate branco e depois chocolate preto. São vendidas em vários lugares na Argentina, mas conheci quando fomos para Bariloche em 2017. E agora são vendidas aqui perto de casa pelo dobro do preço. Mas tudo bem, não é para comer todos os dias. E que maravilha ter essa parceria entre a Argentina e o Brasil. Estava no calor e secura de Brasília e de repente estava neve da Patagônia.

E tenho reparado que como eu não tinha a menor ideia que eu poderia ir a pé comprar franuis, chegou uma mensagem da minha antiga chefe, da época que eu morava em São Paulo. Ela está em Brasília para reuniões de trabalho e me chamou para tomar café da manhã no hotel em que ela estava hospedada. Envelhecer em geral tem sido bom, mas uma das coisas que tenho reparado é a aversão a novidades. Eu adoro minha rotina e não gosto muito de surpresas. Mas então lutei contra essa inércia e respondi que toparia o café da manhã. Já comecei a pensar na roupa, chequei onde fica o hotel, liguei para lá para perguntar o valor do café da manhã para quem não é hóspede e se tem garagem, fiz a simulação do Uber. No dia seguinte acordei mais cedo do que de costume, tomei banho, me arrumei e saí super cedo de casa. Fiquei com um frio na barriga. E foi ótimo o encontro, falamos das nossas vidas, dos nossos trabalhos, lembramos de casos de trabalho e no final foi apenas dois amigos se encontrando para conversar, como se não tivéssemos ficado tanto tempo sem se falar.

E hoje veio a primeira chuva depois de mais de dois meses!

Então é importante sair da rotina e aceitar o acaso. Podem ser framboesas congeladas cobertas de dois tipos de chocolate, encontros entre amigos que moram em cidades diferentes ou a chuva depois da estiagem.

9 de agosto de 2023

Quase metade



Estar perto dos quarenta tem me feito pensar no envelhecimento. O tempo passa muito ligeiro e mesmo os marcos temporais parecem que não aconteceram há tanto tempo. Escola, formatura, primeiro emprego, casamento, todos parecem que aconteceram outro dia. E, se tudo der certo, talvez eu esteja na metade da minha vida. Não sei como vai ser a próxima metade, mas tenho gostado de como levei a vida e como fui levado também. Gosto de quem eu sou hoje. Aliás, acho que demorei a gostar de mim, mas nos últimos anos gosto de quem eu vejo no espelho e consigo deitar tranquilo minha cabeça no travesseiro e pensar nas escolhas que fiz e que deixei de fazer. Penso nos livros que vou ler, nos filmes que vou ver, nos shows que vou curtir, nos países e lugares que vou conhecer, nas experiências que vou ter, nos momentos com minha família e amigos. Mesmo com uma perspectiva ambiental, econômica e política tão catastrófica para os próximos anos, espero ter qualidade de vida. Espero rir muito, comer coisas gostosas e entender cada vez mais, assim, no intransitivo mesmo, entender. Simplesmente entender. E aprender.

3 de agosto de 2023

Pode vir com calma



Tenho pensado cada vez mais que a vida está nas pequenas coisas. Poucas pessoas realmente vão fazer algo importante e serão lembradas. A maioria de nós vai ter uma vida simples e isso é muito libertador. A ambição e a comparação com as outras pessoas me deram um trabalho danado. Gastei muita energia para tentar ser quem eu não era. Eu não quero um emprego extraordinário e um salário gigantesco. Não quero me estressar todos os dias e trabalhar nos finais de semana. Quero uma vida tranquila, simples. Tenho prestado mais atenção em coisas simples que me dão alegria: olhar as plantas, o céu e o horizonte pela janela, admirar o por-do-sol ou uma lua cheia, caminhar aqui por perto e prestar atenção nas árvores e nos pássaros, ler livros depois do almoço, poder tirar um pequeno cochilo antes de voltar a trabalhar, passear com meu cachorro e poder brincar com ele. Eu gosto da vida simples e gosto das escolhas que eu fiz. Não sei como serão os próximos quarenta anos, mas eu gostei dos quarenta que eu já vivi. Posso olhar para minha versão criança lá nos anos oitenta e falar: "vai dar tudo certo, pode vir com calma".

17 de julho de 2023

Pequeno currículo



Quando eu era pequeno tive uma fase de querer ser arqueólogo, especificamente no Egito. Eu lembro de ficar encantando com um livro da Larousse que tinha na estante da sala na casa dos meus pais. Um livro de capa grossa e com muitas fotos coloridas de pirâmides, estátuas e paredes cheias de hieroglifos. Eu não tinha essa mesma paixão com os livros sobre Grécia, Roma ou Mesopotâmia. O Egito e Nefertiti me davam uma faísca de aventura, mas não segui em frente. Eu já sabia ler, pois foi a primeira vez que vi a expressão "além-vida" e tive que pedir ajuda aos meus pais para entender que era o céu (ou inferno) dos egípcios antigos. Eu devia ter uns cinco ou seis anos.

Um pouco mais velho eu gostava de me imaginar em um escritório com persianas verticais de metal que estão em vários edifícios da Esplanada dos Ministérios. Não sabia bem o que eu faria, mas estava em um escritório com mesa de madeira, gavetas, roupas de trabalho, café. Eu adorava ir ao trabalho no meu pai. Lembro dos copos descartáveis em formato de cone de papel, as máquinas de escrever com uma grande esfera de metal cheia de letras, números e símbolos e de não alcançar o botão para chamar o elevador, então meu pai me deixava pisar em um de seus pés e ele me subia até eu poder apertar o botão redondo que se iluminava até que a porta de metal se abria. Meu pai deixou de trabalhar nesse lugar depois que o Collor virou presidente e mandou embora todo mundo. Eu tinha seis anos.

Na época da faculdade eu pensei em grandes trabalhos. Juiz, promotor, defensor público e embaixador. Talvez para o Rio Branco eu cheguei a fantasiar mais e até fiz um curso inteiro de francês de nove semestres. Nunca cheguei a fazer nenhuma prova para nenhum desses cargos. E nunca mais estudei francês. Sonhava em morar em outro país, virar uma grande referência, publicar livros, dar palestras. Mas não tinha ideia sobre o que.

Um pouco antes de me formar uma amiga da faculdade me chamou para fazer uma prova de nível médio para um lugar que nunca tinha ouvido falar. Estudei um pouco e passei. E continuo aqui depois de quase quinze anos. Nunca foi meu sonho trabalhar aqui, mas gosto de ter um trabalho mais tranquilo em que tenho horário certo, o salário cai certinho na minha conta, tenho férias, licenças, cursos e o salário é muito bom para a minha vida. E nos últimos anos trabalho de casa. 

Já tive algumas crises pessoais sobre precisar de um trabalho melhor, com mais prestígio e um salário ainda maior. Mas então cheguei à conclusão que é uma busca sem fim. Sempre haverá um trabalho melhor, com mais prestígio e com um salário ainda maior. Sofri muito por me comparar com colegas da faculdade e do trabalho, mas então me deu um estalo de que cada um sabe o que é melhor para si. Eu gosto de uma vida mais tranquila, gosto de trabalhar nos bastidores, longe dos holofotes e amo trabalhar de casa. O principal para mim é tranquilidade. 

Eu gosto de trabalhar, mas gosto muito mais da minha vida fora do trabalho. Poder ler depois do almoço, tirar uma soneca, caminhar aqui por perto com meu cachorro, passear nos fins de semana, viajar de vez em quando e não ter dívidas. Não preciso de muita coisa. Eu realmente me sinto satisfeito com minhas escolhas. Não tenho uma carreira espetacular, não sou referência para nada, não tenho um salário alto e não mudei de país ou de cidade. É muito provável que eu não vá mudar nada no mundo e tudo bem. Aliás, como não pretendo ter filhos, acho que pouco tempo depois da minha morte ninguém vai se lembrar de mim. Mas sinto que minha vida é leve e por enquanto me sinto feliz.

Vou fazer quarenta anos daqui a algumas semanas. Pode ser que mude de ideia várias vezes e siga um rumo profissional que eu ainda nem imagine. Mas por enquanto estou feliz com minha vida profissional e pessoal.

14 de julho de 2023

Garganta



Tinha tanto tempo que eu não ficava com dor de garganta, acho que foi antes da pandemia. Nem lembrava como era sentir esse arranhado ao engolir. A percepção de virose mudou muito depois da pandemia. Mas os vírus continuam por aí. Tomei própolis, gargarejei, tomei muita água e tentei me alimentar da melhor forma possível, inclusive com alguns mimos. Já estou melhor, os primeiros sintomas foram na segunda e a virose costuma durar uma semana. Ufa!

4 de julho de 2023

Choro e rio



Eu fui uma criança chorona. Sentia a garganta apertar e as lágrimas escorriam pelo meu rosto. Eu não conseguia segurar minha emoção. Chorei muito, mesmo quando faziam piada. E então cresci e aprendi a conter as lágrimas. Fico muito tempo sem chorar, mesmo em filmes ou séries. As lágrimas e as emoções estão lá e uma hora a represa não consegue segurar. Domingo chorei muito. Uma série de coisas e emoções juntas. Chorei até meus olhos arderem e senti um cansaço como há muito tempo não sentia. Chorar parece ser um sinal do corpo de que a gente não é uma máquina. As emoções se acumulam e uma hora precisam correr como um rio. Abri as comportas e esse rio caudaloso correu livre, formou duas cachoeiras. Depois disso meu corpo e minha cabeça relaxaram e eu pude entender um pouco mais da vida. Espero não ficar tanto tempo sem chorar.

28 de junho de 2023

Pedacinho



Eu pensei que teria uma vida cheia de aventuras e novidades, trabalharia com algo que mudaria o mundo e todos os dias haveria vários eventos para ir. Mas a realidade chega e então percebo que gosto de ter uma vida tranquila, um trabalho que não me consome e uma rotina mais ou menos igual todos os dias. Aprendi a não me comparar com as outras pessoas, pois cada um sabe o que é melhor para si. Agora quase com quarenta anos tenho me sentido melhor comigo mesmo. Gosto do reflexo no espelho, gosto da minhas escolhas e não tenho medo do futuro. Tem dias que as coisas apertam, sinto um aperto danado no peito, mas então respiro fundo, olho a vida pela janela, procuro as árvores, os pássaros, olho para o céu e de repente sou apenas mais pedaço do mundo.

21 de junho de 2023

Simplesinha



Eu estava um pouco desanimado, nada específico. Hoje dei uma caminhada de manhã cedo e prestei atenção nas árvores, nas folhas e flores que estavam no caminho. O frio do começo da manhã, o céu limpo sem nuvens e a luz do sol morna pelas copas das árvores. A vida é simples e bonita. E a gente é bicho também. Precisa de sol, de vento, de árvore. Caminhar meio sem rumo, mesmo que por poucos minutos. Gosto da sensação de bairro, de vizinhança. Acho que é a primeira vez que consigo curtir essa sensação e que posso simplesmente caminhar um pouco de manhã. De repente uma flor exuberante, vermelha e diferente. A vida é simples e bonita.

7 de junho de 2023

Feriado



Feriado sempre é bom e estou aqui na contagem regressiva. Não tem nada demais para fazer, mas só de ser feriado, de sair um pouco da rotina, de poder descansar. E ainda mais nessa época de seca e friozinho, minha época favorita.

6 de junho de 2023

Música ao vivo



Música é muito importante para mim. No trabalho sempre tento escutar algo enquanto faço outras coisas. Mas música é muito mais do um som para se ouvir, ainda mais quando os músicos estão ao vivo. E que bom que há muitos festivais e shows na cidade na época da seca. No final de semana teve muitos shows. Um lugar pequeno, abafado, mas os músicos ali na frente. É uma energia mesmo. Várias pessoas juntas, os músicos no palco. Algo que parece tão simples, mas, talvez por causa da pandemia e do distanciamento social, demorei para me conectar de novo nos shows. Demorou, mas finalmente me senti conectado, presente. Música ao vivo, eu vivo e várias pessoas vivas ali juntas. Show da Céu em um dia e da Mahmundi no outro.

2 de junho de 2023

Showzinho



Tenho gostado cada vez mais de ficar em casa. Gosto da vista pelas janelas, do sofá, a televisão, a cama, as plantas, fazer carinho no meu cachorro, principalmente quando ele fica com a barriga pra cima. Eu me sinto protegido em casa. E fico com preguiça de sair, ainda mais dia de semana. Ontem teve um show em um museu novo e foi ótimo. Um lugar no centro da cidade que passou anos abandonado e de repente foi completamente revitalizado. Música ao vivo, a banda em um pequeno palco, pessoas que cantavam e dançavam. Voltamos cedo para casa, mas mesmo assim acordei com um pouco de ressaca hoje. Foi bom sair, dançar um pouco, ver um show diferente, comer um hambúrguer, tomar cerveja. Continuo feliz com minha casa, mas é bom sair.