31 de março de 2023

Impressão 3D caseira



Nos últimos anos tem se popularizado a impressão em três dimensões. A impressora não é mais aquela máquina para reproduzir documentos e fotos, pois alguns modelos têm um cartucho de resina ou plástico que imprime objetos em três dimensões, de acordo com um projeto. Eu nunca vi uma impressora dessas e não tenho a menor ideia de como funciona. Mas tenho observado meus próprios machucados, especialmente no meu dedo mindinho. Eu ralei a "dobradiça" do meu dedinho e por ser um lugar que não fica parado, tem demorado para cicatrizar. Quando lavo as mãos, as louças ou tomo banho o machucado fica ainda mais estranho. Mas hoje notei que finalmente parece que vai finalmente fechar e voltar a ser pele, não simplesmente uma casquinha de machucado. E então percebi que somos também uma grande impressora em três dimensões. Meu corpo se preocupa em reconstruir aquela parte que foi machucada. Ele (ou eu) pensa no projeto, nos materiais e como aquilo vai funcionar e se adequar com o que já está lá. E eu nem preciso pensar muito, só não atrapalhar. Nos primeiros dias após o machucado minha mesa de trabalho ficou cheia de coisas orgânicas gosmentas de cicatrização, mas agora já está tudo seco e quase pele de novo. Engraçado pensar que não existe simplesmente a pele, mas inúmeras camadas de células e líquidos. Em alguns dias nem vou me lembrar que me ralei todo, como quase não me lembro dos inúmeros machucados que já tive, afinal de contas o corpo é formado por essas impressoras que procuram consertar tudo da melhor forma para que nós (eu, as impressoras, os líquidos e todos os microrganismos que fazem parte desse eu) possamos viver ainda bastante tempo.

30 de março de 2023

Incêndio



Um apartamento do prédio ao lado pegou fogo, ainda não se sabe o que causou. Talvez um curto-circuito, uma vela acessa, cigarro? Não se sabe. Mas ver o fogo assim de perto é assustador. O apartamento foi inteiramente destruído e dava para escutar pequenas explosões e estilhaços de azulejos, além da fumaça densa que invadiu as janelas aqui de casa. Várias cabeças curiosas encheram a fachada para tentar ver mais detalhes. Os bombeiros chegaram, interditaram a via. Em seguida chegou o caminhão com a escada magirus. O incêndio foi controlado. Não havia ninguém em casa, mas um cachorro e um gato morreram por causa da fumaça. Pensei em todas as memórias que foram queimadas, além da perda de tudo aquilo que faz a casa ser uma casa. O apartamento agora é apenas um espaço chamuscado e com entulho. Pensei que ninguém está livre de um incêndio. Melhor não pensar nisso.

29 de março de 2023

Natureza



Tenho reparado mais na natureza. Quer dizer, a natureza é tudo, inclusive nós, mas tenho buscado prestar mais atenção nas plantas e nos bichos que cruzam meu caminho. Abri a janela esses dias e encontrei várias andorinhas empoleiradas no brise do ar condicionado. A maioria bateu as asas assim que me viu, mas essas duas ficaram ainda e consegui tirar essa foto. Trabalho de frente a uma janela em que consigo ver várias árvores e a linha do horizonte cheia de prédios. Todos os dias o por do sol é lindo por aqui. Gosto de olhar e respirar um pouco, sair do computador por algum tempo. A cidade é muito arborizada, mas na maioria dos dias são apenas borrões verdes e coloridos, sem forma definida. Então simplesmente consegui focar e prestar atenção nas árvores, flores, frutos e pássaros. Eles estão lá, mesmo que invisíveis aos desatentos. Então agora quero prestar mais atenção. A vida pode ficar pequena e artificial, mas esses pequenos recados da natureza me fazem lembrar que a vida é tão maior, simultânea e múltipla. A gente é natureza e está conectado a tudo.

28 de março de 2023

Papelaria e viagem no tempo



Eu adoro coisas de papelaria, mesmo que quase não escreva à mão ou desenhe. Na escrivaninha há um pequeno armário cheio de lápis, canetas, borrachas e cadernos. Quase todos novos ou com pouco uso. Ficam ali meio esquecidos. No final de semana entrei numa livraria aqui perto de casa. Metade livros, metade papelaria e informática. Eu adoro olhar os lançamentos, folhear, sentir aquele cheio de livro novo. Então cheguei na parte da papelaria. Na mesma hora me lembrei da lista de materiais dos primeiros anos da escola. A alegria de ter cadernos, canetas e lápis novos. Não tenho saudade da escola em si, mas dessa parte de escolher os materiais e imaginar como seriam usados. Um apontador em formato de latinha me transportou direto para a infância. Não comprei nada, mas adorei a sensação e a pequena viagem no tempo. Será que estou precisando escrever mais à mão, desenhar e usar os materiais que já tenho em casa?

27 de março de 2023

Frutas


Tenho me conectado com meus pais através de frutas. No final de semana vou na casa do meus pais e levo algumas frutas diferentes que compro na feira aqui perto de casa ou em uma barraca perto de um mercado. Gosto de comprar as bem diferentes como araticum, atemoia, pitaia, mas também algumas mais comuns como ata, caqui, caju, dependendo do que está mais fresco e mais bonito. Procuro escolher frutas que eles não comprariam, então nada de banana, laranja, maçã ou uvas. Eles sempre ficam felizes com os presentes e contam histórias enquanto comem alguns pedaços. De longe a que mais fez sucesso foi uma graviola que pedi para o rapaz da banca escolher a melhor. Eu jamais escolheria aquela específica: a casca estava mole, como se a fruta tivesse batido em algo duro, mas decidi não discutir. Quando abrimos a graviola o cheiro maravilhoso invadiu a cozinha. Ela estava perfeita. Madura, saborosa e muito suculenta. Meus pais comiam com tanta alegria, pareciam de novo crianças. A graviola acabou em minutos. É muito duro envelhecer e fico tão feliz de ter esses pequenos momentos de alegrias com meus pais. Uma conexão mediada por frutas diferentes. 

24 de março de 2023

Notificação



Comecei a fazer um experimento. Tirei a vibração do meu celular, mas deixei as notificações. Meu celular quase sempre fica no silencioso, nem lembro qual o toque para quando me ligam. No começo do trabalho remoto deixei os barulhos do celular todos ativos, afinal tinha de estar disponível se chegasse alguma mensagem de trabalho. Claro que isso me deixou estressado e ansioso, afinal havia várias mensagens de grupos e que não era exatamente para mim. Depois consegui configurar o Teams para não me notificar nada antes das 08h e depois das 18h30 e nada nos finais de semana. Mas deixei a vibração. Agora resolvi tirar a vibração e deixei apenas as notificações na tela, pois meu celular vibrava o tempo todo para várias notificações. Agora o celular não vibra mais, mas deixei uma configuração que a tela fica sempre ligada apenas com o relógio e alguns ícones de notificação. Então de vez em quando dou uma olhada para a tela do celular para ver se tem algo novo. Olho no meu tempo, sem o barulho de vibração e a curiosidade. Por enquanto tem funcionado. Aliás, cada vez mais tenho tentado não ficar à toa no celular. Claro, adoro ver as mensagens dos meus amigos e da minha família, além de ver as redes sociais, mas não quero mais ficar apenas passando as telas. Vamos ver se esse experimento vai dar certo, tenho gostado de ficar mais no meu ritmo, sem tanto estímulo de barulhos e vibrações.

22 de março de 2023

Ralados



Na infância era tão comum correr, pular e então cair no chão, ralar a mão e os joelhos. Mas então a gente cresce e já não corre tanto, nem sobe em árvores. O computador e o celular não parecem assim tão perigosos. Mas então tem uma promoção no bar em comemoração ao dia do Saint Patrick (que eu só vi a saber da existência depois de adulto) para tomar várias cervejas e chopps por um preço fixo que dá mais ou menos o valor de dez copos de cerveja. Parece uma boa ideia. E então depois de várias cervejas eu pisei em falso e cai no chão. Claro, o tanto de cerveja não ajudou no equilíbrio. Não quebrei dente, não estraguei meus óculos ou minhas roupas, mas ralei minhas duas mãos. Nada demais, claro. Mas como é ruim ficar com as mãos raladas. Mesmo sem merthiolate ou salmoura. Mesmo só com um spray antisséptico que nem arde. Lavar louça, usar o mouse, digitar, tudo incomoda. Eu não lembrava como era chato. Mas logo logo a pele vai se regenerar e esses ralados vão virar história, como aconteceu com os vários ralados da infância. O sangue, o vermelho, as camadas de pele, tudo vai ser coberto como se fossem dunas de um deserto ou sedimentos em um rio. Como é bom ter um corpo.

17 de março de 2023

Escrever



Gosto de escrever. Aliás, eu me sinto em uma máquina de escrever quando olho para esse retângulo em branco e digito as letras no teclado. Gosto do barulho das teclas, tanto que prefiro um teclado tradicional ao invés do que vem acoplado no notebook. Levei um tempo para entender que o que escrevo no trabalho também são textos, também é escrita. Claro, sem muita criatividade, mas mesmo assim precisa fazer sentido e atender as regras gramaticais. Posso não ser um grande escritor, mas gosto dos meus textos, mesmo a escrita burocrática do trabalho.

E mesmo que ninguém leia meus textos, gosto de escrever. E de vez em quando leio aleatoriamente alguns textos antigos que escrevi por aqui e me surpreendo com a acidez, a ironia ou mesmo o carinho que esse distanciamento me faz perceber.

Vou continuar a escrever por aqui sempre que tiver um tempo. E também sempre vou olhar o que aconteceu nos anos anteriores para tentar resgatar ou mesmo me reconhecer nesses flashbacks. 

Espero sempre continuar a escrever.

14 de março de 2023

Ainda no teletrabalho



Já são três anos desde que comecei a trabalhar de forma remota. E sempre me lembro em março. Por trabalhar no serviço público nunca achei que eu poderia trabalhar de casa, seria algo das empresas de tecnologia e inovação. E desde o começo me adaptei bem e uso basicamente a mesma configuração, apenas troquei o notebook por um mais novo e com Windows, pois tudo no meu trabalho é da Microsoft e havia alguns conflitos com o sistema da Apple. Aliás, tenho gostado muito do Windows novo e da integração com o Teams e o Office.

Em março de 2020 havia ainda muita incerteza em relação ao COVID-19, nem sinal de vacinas ou medicamentos eficazes. E meu pai estava internado por uma questão médica que até hoje não chegamos a um diagnóstico, mas de qualquer forma ele está bem e estável.

Em tese eu poderia trabalhar de qualquer lugar. Ir a um café, restaurante ou mesmo ir para a casa de alguém, mas gosto mesmo de trabalhar de casa. Montei uma mesa com o notebook, teclado, mouse, suporte, água e uma plantinha. Não me imagino mais ir para a sede do meu trabalho, tanto que não tenho mais um computador ou uma mesa lá. 

Várias empresas já voltaram ao presencial ou adotaram um sistema híbrido, como aconteceu com o trabalho do meu marido. Mas no meu trabalho continua normal para quem quiser continuar no trabalho remoto. 

Não tive grande problemas nesses últimos anos a não ser algumas reuniões que ocorreram de noite, mas são exceção. No mais tudo tem corrido bem. Não tive também problemas tecnológicos, pois quando há problema na internet consigo rotear pela internet do celular. E mantive o notebook antigo para ficar de reserva caso dê problema no meu computador principal.

Espero continuar a trabalhar de casa. Mesmo que em vários dias tenha apenas a companhia do nosso cachorro, que gosta de dormir aqui perto da minha cadeira. Eu adoro a minha casa e adoro poder trabalhar diretamente dela. Adoro poder comer comida caseira no almoço e depois ir para a cama tirar uma soneca ou ler um pouco. Nunca imaginei trabalhar de home office, mas agora não me imagino mais de outra forma.

3 de março de 2023

Insônia



Tenho acordado cada vez mais cedo, sem despertador. Gosto quando me levanto nos últimos minutos antes do dia começar a clarear, quando a noite está para acabar. Não é ainda noite nem dia. Tenho ido dormir cedo também, umas dez da noite já estou com os olhos pesados. Mas algo me despertou mais cedo ainda nesta semana. Acordei às duas da manhã sem saber que horas eram ou onde eu estava. Tentei tomar um pouco de água e voltar a dormir, mas já estava desperto. Tentei meditar e nada. Então voltei para o meu livro. Li por quase uma hora e aí sim me deu sono. Não adianta lutar com a insônia e não quero ainda tomar remédios para dormir. No dia seguinte acordei às quatro. Acho que aos poucos vou voltar para levantar um pouco antes das seis. De qualquer forma eu gosto de olhar lá para fora e ver a cidade silenciosa pela janela. Até o ar fica diferente.

2 de março de 2023

Mar e memória



Esses dias me lembrei de um grande medo que passei na infância. Fomos passar as férias na cidade da minha mãe, uma cidade de praia. Pegamos um barco para outra cidade de praia e foi preciso ir para o alto mar. É uma sensação estranha ver mar por todos os lados, parecia estar solto no espaço sideral ou em um planeta feito de gelatina. E, claro, que eu fiquei enjoado e precisei vomitar, pois a fatia de limão não me ajudou. Correu tudo bem na outra praia, mas na volta começou a chover muito e mar ficou muito agitado. Nunca tinha vivenciado algo tão assustador. O barco parecia feito de brinquedo. As mulheres e as crianças desembarcaram primeiro, mas como o mar e a chuva não diminuíram, o capitão do barco decidiu desatracar e ir com o barco para além da linha das ondas. Meu pai ainda estava no barco e voltei para casa da minha avó rezando e torcendo para correr tudo bem. Acho que foi a primeira vez que vivenciei um perigo e a possibilidade de morte. Talvez por ser de uma perspectiva da infância o perigo parecia ainda maior. Há alguns dias conversei com meus pais sobre esse episódio que ocorreu há trinta anos e a memória deles foi completamente diferente, ao invés de algo assustador foi apenas um evento corriqueiro, nada demais. As memórias não são confiáveis. De qualquer forma, não fiquei com medo do mar e ainda acho um dos maiores encantos. Essa viagem continua mágica e assustadora para mim.

22 de fevereiro de 2023

Carnaval 2023



O último carnaval pra mim foi em 2020, antes da pandemia. Foi um carnaval um pouco estranho, pois já havia casos de COVID em alguns países e inclusive piadas, pois até então estávamos acostumados com a epidemia de H1N1 que foi bem mais simples. Ninguém conseguia imaginar que a pandemia seria tão complexa e duraria tanto tempo. Mas chegou e foi terrível. Agora quase três anos depois conseguimos ter o primeiro carnaval mais ou menos como os de antes. Mais ou menos, pois já se passou muita coisa desde 2020. Eu até a véspera do carnaval não sabia direito o que fazer. A agenda dos blocos estava confusa, talvez a gente fosse apenas em alguns dias. Chegou então o sábado de carnaval e já fomos em uma festa e foi divertido, apesar de não parecer ainda carnaval, apenas uma festa com músicas de carnaval. Samba Urgente sempre é bom! No domingo fomos em um bloco mesmo, na Vila Planalto, o Tropicaos. Parecia que eu estava em outra cidade, uma dessas cidades do interior. Só aí entendi que estava no carnaval e como é importante estar na rua, dançar, sorrir, encontrar pessoas, abraçar. Foi uma experiência maravilhosa que eu não sabia o tanto que meu corpo e minha mente precisavam. Sair cedo e voltar cedo pra casa, de dia ainda, mas há muitas horas na rua. Segunda no Setor Comercial Sul, num bloco que sempre vamos, o Aparelhinho. Caminhamos pela cidade, interagimos com as pessoas, cruzamos o Eixão a pé até a Praça dos Prazeres. E então teve a terça, o melhor bloco para mim, o Calango Careta. Caminhar atrás do bloco, todo mundo fantasiado, orquestra incrível, pessoas com perna de pau, um calango gigante como se fosse aqueles dragões chineses. Caminhar pelas quadras da Asa Sul, chegar no Cine Brasília e voltar para a W3 sul. Várias pessoas, vários amigos. O carnaval é assim, não precisa planejar muito, mas precisa estar na rua. Agora sim meu 2023 começou. Estou com o corpo dolorido e muito cansado. Fiquei a manhã toda descansando, mas mesmo assim estou bem cansado. De qualquer forma é uma maravilha poder trabalhar de casa, sem precisar ir até o escritório. Se bem que tradicionalmente a quarta de cinzas no escritório a gente só devia conversar com os colegas sobre como foi o carnaval e hoje tive bastante trabalho, mas bom que o dia passou ligeiro. Amanhã oficialmente 2023, depois de um carnaval maravilhoso. Demorei para entender e para gostar do carnaval, agora não passo mais sem.

10 de fevereiro de 2023

Saudades e silêncio



Estou há uns dez dias sozinho com meu cachorro em casa. Mas a não ser pela saudade enorme do meu marido, os dias têm passado tranquilos. Eu gosto da minha casa. Gosto de trabalhar em casa. Gosto de ficar em casa. Computador, televisão, livros, músicas, caminhadas. Cozinhei também para a semana, juntei vários vegetais cortados, misturei azeite, sal e temperos e deixei no forno, olhando e mexendo de meia em meia hora. As engrenagens da vida funcionam bem. A casa silenciosa e tranquila, mas não vejo a hora de chegar meu marido com as novidades, barulhos, conversas. Sinta muita saudade.

7 de fevereiro de 2023

Saudades



Meu marido viajou a trabalho para o exterior há uma semana e ainda vai ficar alguns dias. O apartamento ficou gigantesco e silencioso. Tenho tido conversas com nosso cachorro, tirado um tempo para brincar com ele, passearmos aqui por perto. Tinha tempo que eu não ficava tanto tempo só, afinal de contas há pouco tempo houve a pandemia e não havia viagens a trabalho. Eu amo a rotina com meu marido em casa. Eu trabalho de casa todos os dias e ele consegue trabalhar de casa alguns dias por semana, então temos nossa rotina, mesmo no apartamento pequeno. Sinto saudades de acordar e ver seu rosto dorminhoco. Ou de estar na sala já em várias atividades e ele chegar sonolento para dar bom dia para mim e para nosso cachorro. Ou almoçarmos juntos na frente da TV para ver ao algum vídeo rápido no YouTube e voltar para o quarto para ler ou tirar uma soneca antes de voltar ao trabalho. Ou nossas noites de sexta em que abrimos cada um seu vinho (eu gosto de tintos e ele de brancos e rosés), comer algum petisco, ouvir músicas e conversar. Ou nossas manhãs de sábado que temos tempo para tomar um café da manhã tranquilo, depois ir na feira e arrumar algum passeio legal para levarmos o nosso cachorro. Mesmo ele tão longe conseguimos conversar pelo celular, saber como está o dia-a-dia, ver as quase instantaneamente as fotos dos lugares que ele tem ido. Por aqui a vida continua, tenho minha rotina, tenho meu trabalho, tenho meus livros, filmes, tenho as caminhadas aqui por perto, os passeios com o cachorro, tenho os momentos de preparar as comidas, fazer as compras. A vida continua, mas ela é mais colorida com meu marido aqui por perto.

3 de fevereiro de 2023

Já é carnaval



Eu passei minha vida quase toda sem gostar do carnaval. Gostava do feriado, dos vários dias sem escola, mas não lembro de ir em bailes ou blocos, no máximo assistir a algum desfile na televisão. Não me lembro de fantasias na infância, festas ou matinês. E então em São Paulo, um dos últimos lugares em que esperava encontrar algum carnaval, fui no meu primeiro bloco de rua. Lembro que estávamos na nossa casa e de repente lá longe um barulho e música. E então decidimos ir no bloco com a roupa de casa mesmo e nos divertimos. Lembro de irmos em blocos com poucas pessoas também, praticamente sem estrutura, passear pelas ruas e cantar músicas antigas de carnaval. E Brasília tinha sempre os blocos antigos e decadentes, então há uns dez anos chegaram blocos novos e uma vontade de curtir o carnaval aqui, sem viajar. De repente a gente começou a ir a armarinhos e preparar fantasias, pensar no que usar em cada um dos dias, pensar no carrinho de feira com bolsa térmica pra levar cerveja e voltar para casa com os pés doloridos e com purpurina em cada centímetro de pele e do cabelo. Mesmo depois de muito banho ainda encontrar brilhos e confetes na cama e pela casa, a dor no corpo, o zumbido no ouvido e a ressaca. Então chegou a pandemia. Aliás, em 2020 ainda teve um pouco de carnaval, já com piada do "beijei um italiano (e provavelmente peguei COVID)". Nem dava para imaginar que poucas semanas após o carnaval tudo seria interrompido e a vida como um todo seria modificada para sempre. Agora, após quase três anos, vamos ter um carnaval mais ou menos como era antigamente. Se bem que já não somos como antigamente e ainda não conseguimos entender exatamente o que tem acontecido. E o primeiro carnaval após esse desgoverno que finalmente acabou. 

Sábado passado teve uma festa de carnaval. Festa privada, higienizada, mas de carnaval. Com Silva e Liniker (aliás, adoro o Silva, mas seria ótimo um Bloco da Liniker!). Músicas antigas tocadas ao vivo. Dançar. Há quanto tempo não dançava, nem me lembro quando dancei e me diverti em uma festa. Abraçar amigos, rir, conversar. Beber cerveja cara, mas gelada. Enfrentar filas. Ainda não estou com vontade de fantasias, nem nada muito elaborado, mas sei que o melhor é deixar acontecer naturalmente, como diz aquele pagodinho dos anos 2000. Final de semana tem mais pré-carnaval...

27 de janeiro de 2023

Dias ligeiros



Os dias passam ligeiros. Outro dia era réveillon e de repente janeiro já está no final. Talvez seja a quantidade de trabalho, reuniões e tudo mais, mas cada dia que passa percebo como eu gosto de trabalhar de casa. Não sinto falta de nada da época de trabalhar na firma. O meu trabalho é o mesmo, mas a qualidade de vida, quanta diferença, apenas para parafrasear aquela propaganda antiga de creme para cabelos. E meu colega de escritório tira longas cochiladas na almofada que deixei perto de onde eu passo a maior parte do tempo. Eu nunca imaginei que eu poderia trabalhar assim e não cansei, mesmo após três anos. Gosto de silêncio, gosto de ficar sozinho e amo minha casa. Que bom que já chegou a sexta...

23 de janeiro de 2023

Livros 2022



Continuo com o hábito de ler quase todos os dias depois do almoço e em 2022 consegui ler livros maravilhosos. Não teve nenhum livro que não gostei, mas alguns me marcaram mais. Peguei indicações de vários lugares, anoto sempre no bloco de notas de celular. E alguns livros puxaram outros. Percebi que a capa do meu kindle ficou bem marcada com o tanto que ele foi levado comigo em bolsas e mochilas, além de ir e voltar da praia. 

O álbum branco - Joan Didion
Eu tinha visto o documentário da Joan Didion na Netflix e fiquei com vontade de ler mais textos dela. Ainda não tive coragem de ler o livro sobre a morte do marido e da sua filha, então peguei um mais leve. O álbum branco é uma leitura deliciosa.

Homens sem mulheres - Haruki Murakami
Todos os anos tento ler algum livro do Haruki Murakami, um dos meu autores favoritos. Nesse livro de contos há o que virou um filme de muito sucesso (Drive My Car), que eu ainda não assisti, mas o conto é maravilhoso. Não tem erro para mim, o texto do Murakami é sempre sensacional.

Kadosh - Hilda Hilst
Eu não entendi muito bem o Kadosh, mas não preciso entender para gostar. O texto de Hilda Hilst veio como ondas, sensações e cores. Vários fluxos e imagens na minha mente. 

Antropoceno: notas sobre a vida na Terra - John Green
Esse livro do John Green ouvi por indicação no podcast de Aline Valek (o Bobagens Imperdíveis) e foi uma leitura leve e muito interessante. Eu me senti lendo os blogs de antigamente e aprendi várias coisas sobre aqueles adesivos de arranhar e que soltam um cheirinho, algo que não fez parte da minha infância.

Breasts and eggs - Mieko Kawakami
Eu não lembro onde peguei a indicação para esse livro, acho que foi no podcast da Companhia das Letras ou no da 451 mhz. Fiquei curioso com o título e valeu a pena. A história de uma moça japonesa que recebe em sua kitnet a visita da irmã e da sobrinha. A irmã quer fazer uma cirurgia de implante de silicone. O livro traz ainda a questão da maternidade, a falta de desejo sexual e vontade de ter filho sem estar em uma relação amorosa. Eu adorei o livro e fiquei com vontade de experimentar um chá gelado de cevada que as personagens sempre tomam, o mugicha.

O avesso da pele - Jeferson Tenório
Eu ouvi falar muito desse livro há meses e finalmente consegui ler. O livro é doloroso, mas é impossível de parar de ler. Uma história de violência policial, racismo, a dificuldade de ser professor na periferia e de luto. Mal posso esperar para ler os outros livros de Jeferson Tenório. E ainda deu de presente para uma amiga, junto com o livro da Natércia.

Os tais caquinhos - Natércia Pontes
Eu conheci a Natércia na época que morava em São Paulo, ela é amiga de um amigo. Quando vi que ela lançou esse livro fui atrás para ler. O livro é doloroso também e muito sensorial, mas é uma leitura voraz. Depois de terminar fiquei um bom tempo com essa história na cabeça. E escutei muito "Pra começar", da Marina Lima, música que inspirou o título.

Se o passado não tivesse asas - Pepetela
Eu nunca tinha lido  um autor angolano. Ganhei esse livro de uma amiga há muito tempo, tinha começado a ler, mas não engrenou, pois são muitas expressões diferentes do Português do Brasil. Mas dessa vez recomecei e a história me cativou e aprendi muitas expressões angolanas, como o bué (que é muito). Fiquei curioso nos pratos e bebidas citadas e percebi como há mais semelhanças com o Brasil do que eu pensava. As duas histórias são bem costuradas, com dois recortes temporais. Fiquei curioso para ler outros livros de Pepetela e outros autores angolanos.

Pequenos discursos. E um grande - Hilda Hilst
Eu adoro Hilda Hilst, mesmo sem entender alguns de seus livros. Estou lendo a coletânea de prosa picadinho para durar mais.

O guia definitivo do mochileiro das galáxias - Douglas Adams
Precisei de um pouco de leveza e ficção científica e lembrei do Guia do Mochileiro das Galáxias. Peguei essa coletânea com todos os livros (a trilogia de cinco livros) e adorei todos os personagens e os nomes malucos. Agora consigo entender a necessidade da toalha e tudo mais, que sempre é mencionada no dia 25/05. Ficção científica é sempre sobre a nossa realidade, mas de uma outra forma. Gostei das críticas, dos personagens, do ambiente. E gostei que começou como um programa de rádio. Algumas coisas muito inglesas eu não consegui captar completamente, mas de qualquer forma é uma ótima leitura.

A elegância do ouriço - Muriel Barbery
Peguei essa indicação no podcast da 451 mhz. E valeu cada minuto. Eu adorei a história da concierge que gosta de ler e estudar. E da adolescente filha de ricos e que não quer mais viver. O livro é curtinho e uma leitura maravilhosa.

Anna Karenina - Leon Tolstoy
De tanto que Anna Karenina é mencionado em A Elegância do Ouriço (os nomes dos gatos de dois personagens importantes são Levin e Kitty (dois personagens importantes em Anna Karenina) e Leon (o autor). O livro é denso, mas entendi porque é um clássico. Os personagens são todos muito bem construídos e desde o começo já percebemos que o destino de Anna não vai ser dos melhores, ela precisa ser uma heroína trágica para dar andamento na história. Consegui imaginar a Rússia da época dos czares, as viagens de trem, os agricultores, os chás e cafés nos samovares e as festas da elite. Depois fui ver a versão de 2012 com Keira Knightley e Jude Law, agora já tendo lido o livro e gostei bastante da adaptação mais teatral.

O manual da faxineira - Lucia Berlin
Peguei essa indicação em uma entrevista com a Letrux para o Arte1 e achei que seria um livro leve e engraçado com contos sobre faxinas na casa das pessoas. Esse é um dos livros mais pesados e maravilhosos que eu já li. Contos sobre pessoas marginalizadas e com problemas com o álcool, contos sobre infância, família e histórias quase surreais (como a da neta do dentista que ajudou a extrair os dentes do avô). Pesquisei sobre Lucia Berlin e vários de seus contos são inspirados em sua própria vida. E que somente após sua morte é que seus livros tiveram destaque. Mal posso esperar para ler outros livros de Lucia.

Cidades invisíveis - Italo Calvino
Eu ganhei esse livro na adolescência, mas nunca tinha lido. Depois de uns 20 anos resolvi ler e gostei muito. Imaginei todas as cidades narradas e nessa história costurada por um Marco Polo que inventou todas essas cidades, mas que a partir do momento que ele inventa essa cidades passam a existir. 

Sandman, Endless Nights, Death Deluxe, Overture, Nightmare Country - Neil Gaiman
Depois de ver a série do Sandman no Netflix fiquei interessado em ler os gibis e realmente nunca tinha lido algo assim. Devorei os 75 números originais e mais alguns que saíram após. E mal posso esperar para a 2ª temporada da série.

A viagem do elefante - José Saramago
Tinha tempo que não lia Saramago e chegou para mim esse sobre a viagem de um elefante de Lisboa até a Áustria. Uma história que realmente aconteceu, mas que ganha ainda mais realidade e cor a partir do momento que Saramago decidi contá-la. Fiquei dias pensando no elefante Salomão e no cornaca. 

Querida Kombini - Sayaka Murata
Mais um livro japonês, o terceiro do ano. Eu não podia ficar apenas no Murakami. Esse livro é curtinho, conta a história de uma moça neurodiversa, mas que não sabemos qual é o seu diagnóstico, apenas que ela é diferente de todo mundo ao seu redor e decidi se adequar à "normalidade" trabalhando numa loja de conveniências de uma rede famosa japonesa. A loja tem regras para vestimentas, para falar com o cliente e tudo mais, que a ajudam a guiar sua rotina e sua vida. Ela já trabalha há 20 nessa loja e gostava muito de trabalhar lá, sua vida estava boa, mas todo mundo ao seu redor achava estranho e queria que ela se adequasse a uma vida normal. Eu adorei o livro e me coloquei no lugar da personagem principal. Todo mundo tem alguma neurodiversidade, todo mundo sofre pressão para se adequar. É um livro árido e que ficou comigo muito tempo.

Anos de chumbo - Chico Buarque
Comecei a ler esse livro no avião com destino às férias na Bahia. Eu adoro os livros do Chico e esse livro curtinho de contos maravilhosos. O meu preferido é o do fã de Clarice Lispector. Eu li quase todo no avião e foi uma ótima companhia.

Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres - Clarice Lispector
Esse livro é citado no conto do Chico Buarque o "Anos de Chumbo" e fiquei curioso. Uma mulher e um homem que querem ficar juntos, mas que precisam entender várias coisas antes de ficarem juntos. Uma mulher independente e inteligente. Um livro dolorido, mas com cenas lindas, como o banho de mar solitário de madrugada. O livro retrata as poucas possibilidades das mulheres nos anos sessenta e o que era precisa sacrificar para poder ter uma vida do jeito que se queria. Pensei muito em Lóri depois que terminei o livro. Não sei se é o melhor livro para se ler nas férias, mas foi o livro que li na Bahia.

Tieta do Agreste - Jorge Amado
Eu lembro da novela e o do filme, mas nunca tinha pensado em ler o livro até que foi indicado por Chico Felitti em seu instagram. Aproveitei que estava na Bahia e resolvi ler Jorge Amado. Não poderia ter escolhido um livro melhor. Comecei a ler no final dos meus dias de férias, mas a Bahia me acompanhou até ontem, quando finalmente acabei o livro. Tieta é bem diferente do livro e da novela. E é um livro que não envelheceu. Trata de meio ambiente (ainda não sei o que dióxido de titânio), de política, de corrupção, de hipocrisia, de uma religião cristã menos punitiva e mais harmoniosa e, claro, trata de prostituição como uma empresa e como função social. Tieta é uma personagem maravilhosa e com a capacidade de mudar toda uma cidade. Ainda estou impregnado de Bahia e de Tieta. E que bom!

18 de janeiro de 2023

Saudades do mar



Já tem muitos dias que voltei pra casa. É ótimo voltar, mas sinto muita falta do mar. As ondas, o cheiro, o sal. Gosto de morar aqui no cerrado, longe do litoral. Vivo aqui quase minha vida inteira, mas gosto de imaginar como seria morar em uma cidade de praia. Será que uma hora ela perde o encanto? Talvez seja melhor doses homeopáticas mesmo. De vez quando o mar, a maioria do tempo o cerrado. Sobram memórias, saudades e fotos.

Voltei da Bahia, mas ainda não terminei o livro que comecei por lá. Uma história que se passa na Bahia e na praia. Parece que me transporto para as férias quando leio Tieta, mas já estou quase no final. A volta ao cotidiano tem sido atenuada com a literatura.

Mas a saudade, a imaginação, a criatividade também são formas de viver. Sinto que tenho encontrado de novo um pouco de umidade, sol e maresia. Foi muito tempo num deserto cinza apocalíptico, talvez ainda não tenha entendido quão cinza, desértico e distópico, mas com o passar do tempo vou entender.

Tem tanto sal e água no nosso corpo. O mar está aqui também, em qualquer lugar.

11 de janeiro de 2023

Despaixão



Ando sem paixões, sem vontades avassaladoras. Não sinto a falta de ar, o aperto no peito, a boca seca, a necessidade extrema. Não sinto apego. Não sinto necessidade, apenas as básicas: comer, beber água, dormir. Não tenho desejo. Não tenho sonhos. Sobrevivo desde não me lembro quando. E continuo a sobreviver. Minha única meta é sobreviver. Penso lá na frente, espero ter saúde e dinheiro na minha velhice. Já vivi tempo suficiente para saber que a vida é feita de estações, não apenas as quatro do ano, mas várias estações, algumas que duram bastante tempo. Sinto que estou em uma longa estação, talvez um longo inverno de preparação para sobreviver. Tenho plantado de alguma forma, da forma que é possível, não sei quando ou o que irei colher. Nesta estação a vida está pequena. Leituras, músicas, conversas, passeios. Vida pequena sem grandes planos, mas vida mesmo assim. A vida também é miúda e simples. Sem gerúndios e superlativos. Vida simples, quase no infinitivo, mas no presente, indicativo. E continuo, sobrevivo, miúdo. 

10 de janeiro de 2023

Distopia brasiliense



Domingo eu fui dormir mal ao ver a destruição da Praça dos Três Poderes por tantos fanáticos. Eu não conseguia imaginar ser possível tanta irresponsabilidade das forças de segurança que deveriam cuidar desses prédios e tanta maldade das milhares de pessoas que se deslocaram a Brasília para rasgar obras de arte, destruir vidraças, quebrar móveis, roubar e destruir tudo o que estivesse pela frente. Parecia que eu assistia a um filme distópico na TV, mas que se passava a alguns quilômetros de casa. Espero que essa cena não se repita e que possamos aprender a evitar tudo isso. E que os responsáveis paguem por todo esse estrago. E é bom saber que o Governo Federal e os demais poderes agiram rapidamente, já que o GDF não fez nada, aliás, apenas ajudou na destruição.