30 de abril de 2020

Máscaras


Eu via o Michael Jackson quando era adolescente e achava a coisa mais maluca ele estar sempre de máscara cirúrgica. Mas ele sempre teve muita coisa maluca, a máscara era só mais uma. Será que ele já previa a pandemia? Agora todo mundo anda meio Michael Jackson, até mesmo pra descer e pegar uma encomenda. Ainda não me adaptei muito bem, a máscara escorrega do meu nariz, meus óculos embaçam, mas não tem jeito, vou ter que me virar. A gente encomendou algumas de tecido também, para ver se melhoram um pouco. Parece que ainda temos um bom tempo de pandemia pela frente.

29 de abril de 2020

Café e água


Na quarentena não tem mais o filtro de água em que as pessoas se encontram quando vão encher suas garrafas ou aquele cafézinho simples que fica na garrafa térmica gigantesca na copa do escritório. Em uma vida agora distante, nesses lugares sempre tinha um "você ficou sabendo da última?" ou "tem tempo que não te vejo, você viajou?".

Aqui no meu escritório de quarentena sempre tem uma garrafa de água (que um dia foi uma garrafa de gin), um copinho térmico pra café e chá (uso praticamente todos os dias há um bom tempo, ele é de porcelana com tampa de silicone e imita esses descartáveis de cafeteria). Virou meu ritual fazer o chá pra tomar enquanto vejo meus e-mails de manhã e o café logo depois do almoço. Comprei até um café mais simples pra fazer na semana de trabalho, desses em pó mesmo. E tenho tomado duas garrafas de um litro de água, uma de manhã e outra de tarde. Minha mania é deixar um vídeo bem demorado de música clássica ou jazz clássico passando enquanto trabalho. Ou então se não precisar de muita concentração, deixo minha fila gigantesca de podcasts (a fila está atrasada em quase um mês).

Tenho gostado do sol do final da tarde no meu rosto, preciso um pouco de vitamina D, já que não tenho saído de casa. Não sei o que são calças, camisas ou sapato. Na outra vida eu só vinha pra casa pra dormir durante a semana, saía às 7 e voltava às 23h. Tem sido bom ficar em casa, ver a rotina do bairro pela janela, os barulhos, as nuvens, as árvores.

Nas video-conferências deixo também baixinho música clássica ou jazz. E tenho tirado quase todos os dias uma foto com a webcam antes de começar a reunião, meio que pra documentar minha vida em época de corona.

Já tenho seis semanas de trabalho remoto. Até que consegui me adaptar e fazer uma rotina, mas pensando bem o ser humano se adapta a tudo, mesmo ao corona.

27 de abril de 2020

Automático


Pensei em quantas coisas eu faço sem nem pensar se quero ou se gosto de fazer, vai assim no automático. Aos poucos isso me deixa cada vez mais sem energia e sem vontade. Parece que foi preciso uma pandemia para eu perceber melhor quais são essas coisas que faço e que não preciso e o melhor, eu posso dizer não. Já tenho dois "não" engatilhados aqui para dizer hoje. Vamos ver como vai ficar. Quero sair desse automático, quero ficar mais perto da minha própria essência. Quero aprender mais sobre mim mesmo.

23 de abril de 2020

De casa


Aproveitei que o dia de trabalho estava mais tranquilo e decidi pegar um pouco mais leve. Não teve videoconferências e nenhum prazo para hoje. Resolvi fazer um almoço mais caprichado, do zero. Piquei tudo, fiz uma programação de etapas e achei que conseguiria fazer rápido, mas levei duas horas para fazer feijão e galinhada. Ficaram bem gostosos e foi muito bom comer algo fresquinho, feito na hora, pois em geral a gente sempre requenta algo que fizemos antes.

Depois do almoço fiquei monitorando a demanda de trabalho pelo celular e pelo computador, mas resolvi trabalhar do quarto enquanto passava aquele filme maravilhoso da Queen Latifah em que ela é diagnosticada com uma doença terminal e resolve aproveitar a vida para descobrir que não tinha doença nenhuma. Adoro esse filme e sempre passa na tv. Há quanto tempo não curto um filme no meio do expediente?

Desde que começou a epidemia eu tento trabalhar como se estivesse no escritório, mas a casa não é um escritório. Foi bom poder ter um dia mais tranquilo em meio a essa crise toda e a demanda maluca de trabalho que tenho tido ultimamente (as pessoas não sabem que estamos numa epidemia? Por que querem trabalhar como se nada tivesse acontecido?).

Enfim, um dia de cada vez. Eu sempre tenho que consultar o calendário do celular para saber exatamente que dia da semana é hoje. Já é a quinta semana que trabalho de casa e não tinha noção de como já tem tempo que a vida mudou completamente. Um dia de cada vez.

16 de abril de 2020

Plantas



Cuidar das plantas tem sido um bom ansiolítico para essa epidemia. A gente acabou matando várias plantas até descobrir as vencedoras. O apartamento é poente, então não pega muito sol durante o dia. Mas ultimamente parece que peguei o jeito para não afogá-las e nem matar de sede. Só de olhar para nossa parede de plantas e para as outras que estão espalhadas pela sala já me deixa mais feliz. Nessa época de não poder sair, olhar pela janela e cuidar para as plantas tem sido um respiro.

15 de abril de 2020

Rotina na quarentena


Os dias não têm muita diferença entre si, mas me surpreendi como a quarentena não tem sido muito difícil por aqui. Claro, tem toda a questão do meu privilégio de classe média, que conta muito nesse meu bem estar no meio da pandemia.

A nossa casa é muito gostosa e estamos somente nós dois aqui. O apartamento é pequeno, mas para duas pessoas é tranquilo, ainda mais por ter um quarto extra que fazemos de escritório. Na maioria dos dias trabalho aqui nesse quarto e meu marido da sala.

Acordo bem cedo, pois tenho ido dormir cedo também. Antes da epidemia meu alarme tocava às 06h30 e era um suplício. Ironicamente acordo nesse horário sem despertador. Acordo antes do meu marido, então jogo um pouco de videogame antigo até a hora que ele acorda. Depois do bom dia começo a fazer nosso café da manhã, em geral um sanduíche na chapa. Corto frutas e sirvo um pouco de iogurte com aveia pra mim. Faço um chá e coloco num copo térmico. Escovo os dentes, lavo o rosto, troco de roupa e vou para o "trabalho". Olho os e-mails e tarefas enquanto tomo meu chá. Vejo notícias, circulo um pouco pela interna, termino os trabalho, faço uma videoconferência. O almoço a gente costuma fazer em grande quantidade, então sempre tem arroz e feijão. Esquento uma porção pra gente e comemos vendo um vídeo no YouTube. Depois passo um café e vamos para o quarto esticar um pouco as pernas. Tomo meu café ouvindo algum programa de TV ou filme. Leio um pouco (agora estou no Grande Sertão Veredas e no livro do Meteoro, gosto de intercalar ficção com não-ficção ao mesmo tempo). Escovo os dentes, fio dental, de volta ao trabalho. Tem sido bom trabalhar com suporte de notebook, mouse e tecladão daqueles tradicionais. Umas 17h termino tudo. Depois vamos pra sala, pensamos no jantar (várias vezes igual ao almoço), jogamos um pouco de videogame, vemos um pouco de TV (sempre coisas bestas, leves), depois já começa a dar um sono e umas 21h a gente vai para o quarto. E tudo de novo.

Eu me adaptei bem a esse monte de videoconferências do trabalho. Coloco um vídeo de música clássica baixinho no fundo, coloco o fone de ouvido, ajeito o cabelo e entro. Quando não tem nada direcionado para mim adianto algum outro trabalho ou dou uma passeada pela internet.

Tenho gostado dessa rotina que montamos. Antes eu almoçava com meu marido uma vez por semana, só no sábado. E jantava quase todos os dias na faculdade. Agora a gente sempre está junto, comemos juntos. Bom que tem sido uma ótima prova de como é bom estarmos juntos. Nunca brigamos.

Não faço ideia de quando essa fase vai passar. Parece que ainda está bem longe. O jeito então é vivermos um dia de cada vez, reaprendermos a trabalhar, a viver, montar uma nova rotina.

Nunca mais coloquei calças e só tenho usado um tênis para ir buscar alguma encomenda no térreo. Não sei como vai ser depois.

8 de abril de 2020

Entregas


Agora que meu pai está de volta em casa, tenho tentado não sair da minha. Com a pandemia muitas lojas e mercados agora entregam e tem facilitado muito a vida. A maioria dos pedidos são feitos direto pela internet ou por mensagem de celular. Até agora não tive nenhum problema. Claro, sinto falta de escolher meus produtos, de ir à feira, interagir com as pessoas, caminhar. Mas por enquanto tem sido uma boa opção. E tenho pedido também para a casa dos meus pais, assim não preciso fazer o mercado para eles e todo mundo tenta evitar contato com esse vírus.

É engraçado que na entrega do mercado há um carrinho que sai de dentro do furgão com as minhas compras. Daí a gente pega o carrinho do prédio e coloca as coisas de um carrinho no outro.

E todos os produtos são limpos antes de ir pra geladeira ou despensa. Álcool e papel toalha em todos. Antes eu simplesmente os guardava. Pois é, precisamos nos adaptar.

Imagino que mesmo após a epidemia as lojas vão continuar com os serviços de entrega.

7 de abril de 2020

Steps


Sinto muita falta da natação, de caminhar até a feira e de poder andar de bicicleta. Ultimamente não tenho feito nenhum esporte. Cheguei até a olhar os vídeos de treinos em casa no YouTube, pessoas que fazem exercícios com cadeiras, garrafas e sacos de feijão, mas não gostei de nenhum ainda. Resolvi parar de usar o elevador e ir sempre de escadas. A gente mora no 13º, então é muita escada. A própria escada em si já parece de filme de terror, com o estouro das portas antifogo ao bater, a falta de ventilação e as luzes que somente se ligam quando alguém atinge o sensor de movimento.

Sempre que uma entrega ou uma encomenda chega, desço de escadas e depois subo. Não é o ideal, mas ao menos faço um pouco de exercício e ainda evito contato com outras pessoas. Tem só uma vizinha que de vez em quando está fazendo exercícios na escada, mas é bem raro.

A vida está bem maluca, mas aos poucos entra nos eixos.

3 de abril de 2020

Alta


Foi uma alegria tão grande no dia que meu pai recebeu alta. Foram quinze dias de hospital, alguns na UTI. E com essa pandemia ninguém consegue relaxar. O ambiente hospitalar, apesar de todo o cuidado da equipe, não é muito acolhedor, não é uma casa. Mas foi ótimo o cuidado que tiveram com ele, apesar de não fechar muito bem o diagnóstico. Foram feitos diversos exames e não se encontrou a causa para a dificuldade de locomoção dele. Mas enfim, agora ele está em casa e tivemos que fazer várias adaptações (barras de apoio, andador, cadeira de banho) e ele tem tido mais autonomia. Ele parecia um menino quando entrou no carro, pois havia muitos dias que não saía do quarto. E agora ele tem um quintal e um jardim, tem seu próprio quarto e banheiro. E quem sabe ele aos poucos recupera o andar?

Só de saber que ele está em casa já me dá uma tranquilidade enorme. Minha mãe vai poder dormir melhor. E todos nós estaremos mais tranquilos.

2 de abril de 2020

Hospital


Já estamos há duas semanas aqui no hospital. Venho dia sim dia não para ajudar meu pai e dar um descanso para minha mãe. Nesse período meu pai mudou da figura forte e independente para alguém que precisa da ajuda para sentar na cama, andar e ir no banheiro. Já ajudei meu pai a se limpar, troquei suas roupas, caminho com ele apoiado em meu braço. A gente só sabe como vai reagir quando está na situação. E é ótimo poder ajudar meu pai, não penso em mais nada, só em vê-lo bem. Vejo tanta gente reclamando da quarentena e acho que adoraria estar apenas em quarentena se soubesse que meus pais estariam bem, sem estarem expostos a esse vírus. Eu estaria bem em casa, faria meu trabalho, veria séries. Mas somado à quarentena tem as visitas ao hospital e a constante preocupação pela saúde do meu pai e da minha mãe como sua principal acompanhante.

Minha ansiedade é tanta nesses dias que fiquei com falta de ar. Na mesma hora pensei que estava já infectado pelo corona, mas ansiedade também dá falta de ar. E não tive febre. Agora ponho a mão na minha testa o tempo todo para verificar minha temperatura. A gente se adapta a tudo.

Meu pai cada dia está melhor, mas ele não vai voltar a ser quem era há algumas semanas. Ele não vai mais dirigir e vamos ter que adaptar o quarto e o banheiro dele com barras, cadeira de banho e andador. E ele não perde o humor, conversa com toda a equipe do hospital. Ele teve de mudar de quarto porque o andar de cima está em reforma, mas ele brincou que esqueceu de pagar o aluguel e colocaram ele pra fora do quarto. Tenho aprendido muito sobre mim, sobre minha família, sobre a vida. Tudo nos faz amadurecer.

Tudo fica tão mais relativo agora. O mundo nesse colapso e eu e minha família nesse pequeno colapso íntimo. Tudo vai ser diferente daqui pra frente, tanto para esse meu micro-mundo familiar quanto para o mundo como um todo.

Uma hora vai melhorar...