7 de setembro de 2014

Late bloomer

Brasília é uma cidade seca, cinza e áspera. Mas na pior época da falta de chuva, dos lábios ressecados e da poeira vermelha, surgem os ipês. E por mais que os ipês por si só não mudem mais nada além de colocar um pouco de cor na paisagem esturricada, parece que tudo melhora. Aos poucos a chuva começa a ficar mais frequente, a grama volta a ficar verde e fica mais fácil até de respirar.

Essa lógica funciona também em outros aspectos da vida da cidade (ou da vida de quem é de lá, que carrega essa secura e essas flores de ipês consigo).

Minha vida andou seca nos últimos meses. Claro, tinha ali uma flor de ipê e outras flores safadas de vez em quando. Mas a paisagem continuava seca. De repente parece que todos os ipês dentro de mim estouraram numa floração exuberante. Não mudou muito coisa, mas ao mesmo tempo mudou tudo. Agora eu sinto uma exuberância de quem carrega em si umas flores de ipê. De quem sabe conviver com a estiagem, com a falta de água, mas não se embrutece. De quem sabe que pode parecer alguém seco e morto, mas que de repente explode em flores coloridas. Que demora a florescer, quando parece que todas as outras plantas já estão com flores e frutos.

E então eu acordo, endireito minha postura e falo com a voz de quem há muito tempo não usa as cordas vocais. Olho no espelho e vejo que o tempo passou, mas que verei passar ainda bastante tempo. E muitas outras secas e florações. E muita água.

Minha espécie de árvore é daquelas que não colocam sempre suas flores. Mas as flores estão lá de alguma forma. Um gérmen de flor já está comigo.

E daí que tem seca? Sempre vai ter seca. Mas uma hora ela acaba. E depois volta. E acaba novamente, num ciclo eterno.

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