31 de julho de 2010

Sombras


Quase não vem sol na varanda. Quer dizer, vem aquele resto, aquela luz meio indireta, um sol meio sovina. O ruim foi matar tantas plantas até descobrir isso (bem, mas tudo tem sua hora, aprendi a desapegar). As plantas de sombra me cativaram: são mais escuras, mais simples e quase nunca dão flores. Quase. Outro dia estava aqui regando e conversando com algumas, quando percebo uns botõezinhos na flor-de-maio. Já era julho. Devo ter uma flor-de-julho ou uma flor-de-quando-ela-quiser. Percebi que sou meio planta de sombra, fico ali na minha, sem aparecer muito e não preciso de muito sol pra viver.

30 de julho de 2010

Não sei

Uma angústia, um desconforto permanente. O cotidiano anda massacrante e a melhor hora do dia é quando finalmente chego em casa, como alguma coisa -- ando me alimentando tão bem, quem diria --, ponho uma música antiga, deito na rede da varanda e leio um pouco. Leio bastante na verdade. Livros eletrônicos e tradicionais, contos e crônicas de Caio F., sobretudo. Mas fora a questão literária, quase todo o restante anda um pouco desencaixado. Não sei. Aliás, é exatamente isso que me incomoda: não saber o que fazer, qual caminho seguir, o que estudar, onde ir. Não sei. Ainda, é verdade. Já sinto um fiozinho de lucidez ali querendo me encontrar. Danado que só ele...

29 de julho de 2010

Pés

Os sapatos de couro negro brilham. Cascos de cavalo: duros, pesados, formais. Graxa, escovas e de vez em quando um engraxate aparece, ajoelha-se e cobra algumas moedas. Prefiro os tênis casuais: macios, informais, confortáveis. Escolhas de vida.

28 de julho de 2010

Arrumar a casa, lavar a roupa, aguar as plantas, levar o lixo para fora, cozinhar, consertar. Isso tudo depois do meus oito-às-dezoito na firma. Não reclamo. Mentira, às vezes acho um saco os afazeres domésticos, mas acho que me humaniza. Podia contratar uma faxineira e ela faria toda a mágica: roupas, louças, chão milagrosamente limpos. Mas é minha sujeira, minha imundice, meus cabelos no ralo e meus restos da pasta de dente na pia. Então eu mesmo faço. E reclamo. Mas sinto lá no fundo um gostinho de independência...

27 de julho de 2010

Dois sempres e um nunca

Sempre tive medo. De não dar certo, de não conseguir, de me frustrar, de machucar, de ser menor. Talvez em alguns momentos a falta de coragem tenha sido tão grande que me ausentava de mim mesmo e percebia toda aquela cena de fora, olhando-me assim de terceira pessoa do singular. Quando me dava conta, havia deixado a covardia de lado e resolvia minha vida. Foi assim ao sair de casa. Chorei, tive medo, não queria magoar meus pais, mas precisava zarpar, mesmo que não fosse para muito longe. Zarpei em um lampejo de calmaria e lucidez.

Sempre fui chorão. Desde criança. Lembro que não conseguia segurar o aperto seco que me dava na garganta. Um dos piores momentos foi o primeiro dia na escola. Mas até hoje ainda deixo escapar algumas lágrimas em filmes ou textos, e também quando a saudade resolve se instalar. Aliás, mesmo sem útero ou oscilações hormonais bruscas, alguns dias me sinto mais triste e fragilizado. Em um desses dias, especificamente na semana passada, foi a primeira vez que chorei ao telefone. Doeu de verdade. Chorei até me sentir vazio. Chorei um rio, como na música da Ella Fitzgerald.

Nunca me encaixei. Tudo parece tão diferente. Gosto de coisas que quase ninguém gosta, meu temperamento é completamente diferente do da maioria das pessoas e frequentemente presto atenção em coisas que ninguém dá valor. Não gosto de futebol, não assisto novela, não chamo atenção, não reclamo, não brigo, não me destaco, não gosto de roupas sociais - sou o único de jeans e allstar no trabalho. Não sei o que quero fazer no futuro e não sei especificamente qual o meu talento.

Dois sempres e um nunca, quem sabe eu ainda consiga me conhecer. Prazer, meu nome é Vinicius.




26 de julho de 2010

1095

Lembro que tomei uma caipirinha quando cheguei no subsolo. Um rock dos anos oitenta tocava e eu disse que me sentia um caipira. Antes disso foram três Stellas na laje que me fizeram vomitar conversas toscas por horas. As coisas eram diferentes em dois mil e sete...

23 de julho de 2010

Observo

Prefiro um sanduíche rápido do que o almoço com o pessoal da firma. Sento na sombra, perto de um espelho d'água e como enquanto observo as pessoas do centro da cidade. Imagino suas vidas, a falta de brilho em seus olhos, seus desejos. Sinto muito medo de me tornar mais um. Observo. Ando pelos setores centrais, bancos, comércios populares. Penso na minha vida no caminho. O sol, os pichos, os grafites. E os pombos...

21 de julho de 2010

Proximidade

A casa anda tão vazia de você. Sinto que a gente está cada vez mais próximo com toda essa distância, mas é uma proximidade menos física e mais, sei lá, psíquica. Sua voz, quando não é reproduzida nos filmes da minha memória, chega pelo sinal do celular e me enche de mais saudade, mais amor, mais vontade de estar perto.

19 de julho de 2010

Nem sei

Cada dia conheço um novo aspecto de mim mesmo. Um novo olhar, um novo desejo. Cada dia sou um pouco diferente - por vezes completamente diferente, chegando a ser, mesmo, incompatível. Essa vida é louca demais. Ou talvez eu seja um pouco menos lúcido do que imaginava. A vida continua. Amanhã acordo e nem sei como vai ser.

14 de julho de 2010

Olhos

Comecei a me enxergar um pouco melhor depois de cair na estrada e parar nessa casinha cheia de cor, quase no meio mato.

13 de julho de 2010

Nonstop

Ainda é o segundo dia? O tempo anda tão devagar que às vezes parece em câmera lenta. Vagaroso, arrastado, quase em pausa. A casa está silenciosa e escuto os ruídos lá de fora. Carros, uma sirene de polícia, pessoas conversando no boteco ali de baixo e aqui meus dedos ricocheteando nesse teclado. Não tem você. Nem suas roupas jogadas na mesa da sala, o embrulho do lanche da padaria, o copo de coca zero pela metade, nem seu drink de vodka com canudinho e o cigarro de menta pela metade no cinzeiro da varanda. Não tem você. Mas tem sua voz, seu cheiro, seu toque, sua risada e até suas reclamações, tudo isso em um filme projetado em mim, rodando sem parar... nonstop.