31 de março de 2012

Bici

Peguei a bicicleta ali encostada desde não sei quando, os dois pneus murchos. Levei até o posto, enchi e comecei um passeio pelo bairro que nasci, cresci e recentemente voltei a morar. De repente era algum ano do final da década de oitenta ou começo da noventa. Pedalava e lembrava dos tombos, das ida à locadora, do mercadinho, do comércio, dos passeios com os amigos. E já não sabia porque fiquei tantos sem andar de bicicleta, sem sentir o vento no rosto, mudar as marchas, escutar música. Vou aproveitar essa mudança na vida e incluir mais um pouco de novidade: mas passeios em duas rodas, mesmo que a cidade quase não tenha ciclovias e que tantos ciclistas tenham morrido nos últimos meses.

Leveza

Os dias têm sido leves. Em um dia descansei e relaxei tudo o que precisava e ainda resolvi alguns últimos acertos. A mala nem comecei, mas detesto empacotar as coisas. Aliás, não quero encarar como bagagem de mudança, mas sim de uma viagem longa. Vou deixar muita coisa por aqui, levar só o que realmente preciso. E enquanto isso, curto o fim de semana e espero que continue com essa leveza.

30 de março de 2012

Sol e lago

Entrei de penetra no clube que freqüentava quando era pequeno e que fiz as melhores aulas de natação. Disse que queria ver os preços da academia, mas fui direto pra beira do lago tomar sol, escutar música, ler e pensar na vida. Meu primeiro dia sem trabalhar e eu quero passá-lo como um vagabundo. Ou com estilo.

Escuto o barulho das ondinhas do lago batendo no píer e me sinto numa praia no meio do cerrado. Brasilia é realmente muito bonita, ao menos na bolha urbana que eu moro.

Estranhamente sinto uma leveza tão grande, como se eu não percebesse que já não tenho apartamento, móveis, fogão, cama, geladeira e emprego. Minha vida dos últimos três anos já não existe mais e nem me doeu vê-la desmanchar-se em caixas. O que me dói mesmo é ficar longe das pessoas que amo, meus amigos e família. Mas sinto que é necessário. Me sinto forte, mas sei que só com uma ou duas semanas após minha ida é que vou perceber o tamanho do golpe no meu coração. Minha ficha sempre demora a cair. E enquanto isso fico aqui escutando o barulho das ondinhas da praia postiça, sentindo o sol me livrar da cor cinza.

E por enquanto isso está bom, não dá pra querer sentir tudo de uma vez.

29 de março de 2012

Des-empreguis

Último dia de emprego. Despedidas, emails, abraços. A partir de amanhã estarei desempregado. Ainda vou ter a possibilidade de voltar, mais ou menos como o trancamento de uma faculdade, mas em temos práticos estarei desempregado: sem receber salário. Não sei ainda o que vai acontecer, não tenho propostas de emprego em vista e sei que vou ralar muito até mesmo para conseguir um sub-emprego.

O último dia empregado foi uma boa surpresa. Todos me disseram que estou fazendo a coisa, que preciso crescer profissionalmente. E falaram coisas legais como a falta que vou fazer, que as portas estarão sempre abertas. Ganhei uma caneta dessas de metal e que vem em uma caixinha de madeira. O chefe do andar me deu seu cartão com o telefone em SP para que eu ligasse se precisasse de algo. E tive um almoço e um happy hour com a equipe.

Realmente sinto que é o passo acertado a se tomar. Desemprego aí vou eu. Espero que não por muito tempo!

Quartas

Todas as quartas a gente se vê, não importa o que aconteça durante o dia. Isso já acontece há alguns anos. Nós três, cervejas, esfirras e quibes. Falamos da nossa semana, do que pretendemos fazer, rimos. Simples assim, leve assim. E agora vamos ficar longe. Talvez eu não consiga vê-las em seus aniversários, talvez demore alguns meses até que a gente se veja. Mas já ficamos longe outras vezes e sempre que nos reencontramos parece que nunca deixamos de nos ver. A gente se entende, a gente se zoa, a gente se preocupa. Hoje por exemplo liguei e ela não atendeu. Queria avisar que havia uma blitz no caminho, de acordo com o homem da quadra. Mas ela não atendeu. Meu telefone desligou. Meia hora depois as duas estavam de madrugada na frente da casa dos meus pais. Achavam que eu tinha morrido, tinha sofrido um acidente. Amor assim não se acha todo dia. Amor assim é pra vida toda! Que saudades que eu já estou!

26 de março de 2012

Não-viver

O que mais me incomodava em viver aqui, da forma que eu vivia, era exatamente o não-viver. Isto é, minha vida estava muito tranqüila e eu já não conseguia me desafiar, apesar das infinitas possibilidades que a cidade oferece. Mudar daqui seria como um banho de água fria, uma tentativa de acordar de um estado letárgico. Talvez, nesse sentido, a água seja até mesmo fria demais. Mas de qualquer forma, acordei. Percebi minhas possibilidades, minhas qualidades. Eu me enxerguei pela primeira vez sem aqueles olhos sem vida.

Hoje no meio de um dia de trabalho extenuante consegui uma tarde de folga, justamente no último dia de terapia. Depois da sessão fui a um píer próximo, desabotoei a camisa, tirei os sapatos e sentei perto da água. Vi o tanto que tinha mudado desde o dia que decidi me mudar, mas tudo isso já estava ali dentro de mim, de alguma forma. Em um ano consegui alterar várias coisas e o caminho pode até mesmo não ser o mais acertado, mas é um caminho. E vamos em frente! Ainda não sei o que vem lá, espero continuar me afastando do não-viver, por mais dolorido que possa ser escolher o próprio caminho.

24 de março de 2012

Firrrrrrma

Trabalhar de noite em um prédio vazio no meio do nada me deu uma sensação estranha de paz. Imaginei ali, sentado na cadeira da chefia, que preciso de um novo trabalho, preciso crescer tanto profissionalmente quanto em âmbito pessoal. Não estou me dedicando o tanto que preciso no meu trabalho e ainda não tenho um trabalho novo. A partir da próxima sexta-feira estarei desempregado. Na verdade, tirei uma licença sem vencimentos, mas em termos práticos é a mesma coisa de se estar desempregado. Vai ser a primeira vez em mais de sete anos que não receberei um salário no final do mês, o que me dá uma mistura de medo e frio na barriga com as novas possibilidades. Posso sair do serviço público pra virar fotógrafo ou vendedor de livros ou advogado ou garçom ou poeta maldito. Ok, poeta maldito não, mas enfim, sinto essa sensação de novas possibilidades na vida. E isso já é extremamente gratificante. Poucas pessoas têm coragem de mudar drasticamente de vida, de trocar o certo (salário, vida tranqüila, apartamento) pelo incerto (desemprego, uma malinha, distância). Gostei de descobrir que sou capaz de mudar, de arriscar. Quem sabe algo realmente bom vai acontecer na minha vida profissional?

21 de março de 2012

Simples

Estou fazendo várias coisas que nunca fiz antes. Algo como uma entressafra. Chego do trabalho, como algo leve e leio por horas, pelo menos um capítulo de cada livro (estou lendo três ao mesmo tempo: "Jogo da Amarelinha" do Cortazar, "Ulisses", de James Joyce e "Memórias Inventadas: terceira infância", de Manoel de Barros. Escuto música enquanto isso. Depois tomo banho, como algo, vejo uma série ou filme, edito algumas fotos. Nunca minha vida foi tão tranquila. Durmo bem, como bem, não tenho nenhuma preocupação. Mas sei que isso é apenas por alguns dias. Logo minha vida vai entrar em um turbilhão e eu não vou ter tempo ou dinheiro pra nada. E vou me lembrar das noites em que eu escutava música e lia tranquilamente.

20 de março de 2012

Já deu

Enlouqueci, mas não cheguei a pirar. Minha cabeça deu vários nós e eu realmente cheguei a pensar que não tinha mais sentido. Autoestima pra quê? Resolvi então chegar até o buraco mais fundo, fui até o poço, me senti um lixo. E só então comecei a me enxergar melhor. A ver como eu posso fazer umas coisas diferentes e como a vida não é tão complicada assim. Quero fazer algo completamente pessoal da minha vida, deixar de ter tantas amarras, tantos impedimentos. Bora viver?

16 de março de 2012

Tudo novo de novo

Comprei a passagem. Pela primeira vez vou viajar só de ida, sem saber quando vou voltar. Escolhi o dia e a hora e sei que na véspera vou estar enlouquecendo. Ou quem saiba eu esteja sereno e só vou perceber a mudança alguns dias depois, quando aí sim vou enlouquecer.

Detesto despedidas e acho que por isso tenho vivido dentro de uma casca de ovo, lendo vários livros ao mesmo tempo e escutando música no meu quarto na casa dos meus pais.

Nunca li tanto, livros que tenho há mais de três anos e que nunca tinha folheado. E vai ser difícil escolher os dois ou três ou quatro ou cinco que vou levar comigo. Ou seis.

E penso em levar cada vez menos coisas.

Sinto um carinho tão grande pelas coisas mais simples. Acho minha cidade cada vez mais linda, o pessoal do trabalho mais divertido, meus amigos mais carinhosos, minha família mais comercial de margarina.

Várias vezes paro e presto atenção na paisagem, no rosto dos meus pais, na frase de um amigo. Quero guardar cada momento comigo e me dói saber que vou ficar um segundo sequer longe desse tanto de gente que eu amo.

E não tem uma noite que deito na minha cama e não me questiono se vou dar conta de me virar em outra cidade. Se vou conseguir um emprego bom, se as contas vão ser pagas e se não vou ser engolido pela muvuca.

Mas ao mesmo tempo percebo que preciso passar pra tudo isso. Não quero ser um adolescente de trinta anos. E não quero deixar esfriar nosso amor.

Mal posso esperar pra dormir e acordar do seu lado todos os dias de novo.

11 de março de 2012

Simples e descomplicado

É tão fácil se adaptar. Talvez seja uma característica minha, mas percebi que mesmo com o meu mundo de pernas pro ar, consigo manter uma certa sensação de lar. Moro nesse quarto na casa dos meus pais há duas semanas, depois ter morado sozinho por quase três anos. Mudou completamente minha rotina e já não tenho várias coisas que gosto, mas mesmo assim está tudo ótimo. Pra mim sinceramente não preciso de muito: uma cama confortável (a que estou agora, por exemplo é a maior e mais confortável que já deitei!), meu computador, internet, uma plantinha (meus bambus que só precisam de água), uma garrafa de água, algumas roupas, tênis e meus perfumes, cremes e coisas de higiene. Já não sinto falta do tanto de coisa que julgava serem imprescindíveis e com certeza vou levar ainda menos pra quando eu me mudar daqui a algumas semanas.

O primeiro apartamento que morei era todo lindo, enfeitado, parede colorida, cheio de fotografias, adesivos de parede, plantas. No segundo já não tinha paredes coloridas, adesivos e havia somente duas plantinhas. No terceiro, provavelmente só vai ter um colchão, geladeira, fogão, maquina de lavar e internet. Ok, também não é pra tanto, mas sei que vai ser bem simples. Cada vez mais simples e descomplicado!

A vida por si só já é tão complicada, pra que complica-la ainda mais?

10 de março de 2012

Externar

Eu nunca fui de passar por grandes emoções. Não que eu não as tenha vivido, mas simplesmente descobri que não consigo externá-las. Minha família sempre foi muito emotiva, muito grito, muita risada. Talvez seja a raiz nordestina, não sei. Apesar disso, sempre fique muito na minha, sempre muito reservado. E então ouço essa semana que é difícil perceber se estou feliz ou triste, pois meus sinais são muito sutis. Claro, foi um choque pra mim. Me senti a pessoa mais blasé do mundo e fui me questionar se realmente tenho esse comportamento. E sim, não externo emoções, fico com essa eterna cara de paisagem. Mais aos poucos sinto que vou contornando essa deficiência. Ok, eu nunca vou ser o mais emotivo, mas ao menos estou tentando passar um pouco mais de emoção. Aqui dentro o mundo explode em um milhão de cores. Mas por fora é quase uma sépia...

7 de março de 2012

Centrão

O centro de Brasília, como o resto da cidade, é cheio de siglas: SBN, SCN, SDN, SBS, SCS e SDS. Lá estão os prédios altos e antigos, as pessoas engravatadas, os mendigos, as lojas de bugingangas, os restaurantes a quilo e lanchonetes. Tem grafite, tem marcas de fuligem, tem pixos, tem lixo. É o lugar que mais me lembra uma cidade normal, sem o clima tão bucólico do Plano Piloto. Hoje saí do meu trabalho no SBN (Setor Bancário Norte) e fui caminhando até o SCS (Setor Comercial Sul), mas prestando atenção no caminho, nas pessoas, nos carros. E me surpreendi. O centro é demais e tem várias coisas que não dá pra ver no trajeto de carro, como o rosto das pessoas atrasadas pro trabalho, os defeitos nas paredes antigas, as promoções nas lojas populares. E caminhar na hora que as lojas começam a abrir dá uma sensação de que há ainda todo um dia pela frente...

6 de março de 2012

Pirações

Eu tinha adorado as fotos, mas na apresentação vi que elas eram muito certinhas, limpinhas, meio sem alma. Várias pessoas fizeram fotos bem pessoais, com desfoque, meio estouradas. Ficaram lindas! Eu quero fazer algo mais assim, menos certinho, arrumado, equilibrado. Quero surpreender! Tenho a impressão de parecer (e ser!) uma pessoa muito certinha, arrumadinha, equilibradinha, mais ou menos como as fotos que tirei. E juntei isso à terapia de hoje em que percebi que quase não externo emoções. E que praticamente não as sinto. Me senti autista, me senti travado, congelado. Todo mundo me olha e vê uma pessoa tranquila, serena, equilibrada, planejada, que não bebe, não fuma, não faz nada de errado, não tem conflitos. Em um palavra: um cara chato.

Isso me fez perceber exatamente isso. E tudo se encaixou. Eu só tenho poucos amigos, que eu já conheço há mais de dez anos. Praticamente não consegui fazer novas amizades. Eu não consegui fazer uma amizade independente com seus amigos. Eu sou muito calado, eu fico muito em casa vendo filmes e lendo. Não tenho tiradas engraçadas, não gosto de beber, não fumo, não uso drogas. Faço tudo certinho. Sou uma velha!

Argh!

5 de março de 2012

Ao quadrado

Um quadrado. Não a forma geométrica, mas sim uma pessoa quadrada, com amarras, medos, travas, prisões. Eu não consigo criar algo verdadeiro, mas apenas imitações de imitações, sem alma, sem brilho, sem cor. Preciso de um pouco de loucura na minha vida quadrada. É exatamente isso que preciso. Loucura! Eu sei que não existe meia loucura, é por isso que quero uma loucura completa pra escapar dessa bolha. Quero voltar a ter emoções, a rir, chorar, me desesperar, achar que nada tem sentido, cair, me levantar. Quero o fundo do poço, quero me machucar, parar de fingir. Quero criar, quero viver. Viver dói pra caralho.

1 de março de 2012

Rasgar

Às vezes eu tenho um vislumbre de quem eu sou de verdade. Não aquele que quero ser ou aquele como me vêem. Dou uma arranhada no meu eu real, mas nunca consigo mais do que esse simples arranhão. Logo a imagem é puxada e volto para o meu eu de sempre. Preciso aprender a rasgar esse eu e me ver ali por baixo.

Tenho medo de nunca conseguir mais do que o simples arranhão. Tenho medo de nunca conseguir ser meu eu pleno.

Contagem regressiva

Começou a contagem regressiva pra mudança. Não sei se vou conseguir emprego rápido, não sei se vou arranjar um emprego bom, não sei se a grana vai dar, não sei onde vou morar, não sei se vou dar conta da saudade. Bem, já vi que não sei de nada, só sei que daqui a trinta vai ser meu último dia dia de trabalho e, consequentemente o último salário. Depois disso tudo é uma incógnita, só me resta achar o "x" da equação. E toda incerteza chega a ser libertadora!