24 de abril de 2013

(Você engoliu seu orgulho e fez algo que não queria. Seu amigo quer saber o porquê. Vocês dois estão dirigindo em um estacionamento quase cheio procurando uma vaga para a caminhonete enorme do seu amigo)

Eu tenho dificuldade de dizer não. Posso até dizer, mas acabo mudando de idéia, principalmente se for um amigo fazendo lobby para algo que não quero. Eu não queria mesmo ter vindo aqui nessa porcaria de show de axé.
"Saco!"
"O quê?"
"Nada não..."
"Não é possível que não tenha nenhuma vaga."
"A gente devia ter vindo de taxi..."
"Há! Ali uma vaga!"
"Ah, que ótimo..."
"E bem na hora que vai começar o show..."
"Essas bostas sempre atrasam pra caralho..."
"Oi?"
"Nada não..."

Eu só queria que uma bomba explodisse, que um terremoto acabasse com tudo e um furacão varresse os escombros pra bem longe. Mas não, lógico que isso não ia acontecer...

"É sério que você tava achando que a gente ia pra esse show de merda?"
"Ué, claro, né? Você insistiu tanto."
"Hahahahahahhaah! Era só pra saber até onde você iria"
"Puta que pariu!"
"Partiu cerveja e pizza!"
"Fechou!"

21 de abril de 2013

(Conte a um desconhecido uma tradição de sua família)

Por morar longe dos meus pais e irmãos, de vez em quando sinto um saudosismo de pequenas memórias de infância e que marcaram minha vida. Outro dia estava sentado em café depois do almoço, tentando me distrair um pouco dos relatórios de auditoria e processos judiciais antes de voltar pra labuta e uma senhora começou a falar com a moça do caixa sobre sua família, de como sente falta de sua filha que foi morar no sul e abriu também um café e que sentia muita falta dela e contou algumas coisas que sempre faziam juntas.

Eu continuei calado em minha pequena mesa e com minha xícara de espresso já quase no final. Pensei na minha família na mesma hora. Lembrei dos costumes que carrego comigo, mas que parecem tão singelos. Minhas palavras nordestinas, apesar de nunca ter morado no nordeste, minhas leituras diárias, mesmo que apenas de algumas páginas, minha fixação em tomar sempre muita água e os conselhos sobre como evitar ou curar gripes e dores de garganta com remédios caseiros. Algumas outras, apesar de terem sido muito presentes, hoje parecem um passado distante, como a religiosidade do meu pai e as idas aos mais variados especialistas médicos que minha mãe até hoje pratica.

O engraçado de termos sido um núcleo familiar distante da maioria dos parentes talvez tenha nos privado de criarmos tradições. Não consigo me lembrar de algo típico da minha família. Talvez o fato de não sermos típicos. Nunca tivemos faz-de-conta com Papai Noel ou Coelho da Páscoa e isso desde sempre foi muito tranquilo. E não tivemos grandes festas ou comemorações. A nossa casa raramente ficava cheia de convidados.

Pensando bem, essas não-tradições também continuam na minha casa. Não comemoramos nenhum feriado religioso, não trocamos presentes de Natal ou Páscoa. Gosto mais dessas tradições que não são rígidas.

Não contei essas histórias para a senhora que falava sobre sua filha. Mas foi bom ter pensado na minha família e percebido essas características.

18 de abril de 2013

(Diálogo com uh-huh, umm, urrrr, mm-mmm)

Outro dia li uma notícia estranha, não lembro bem em qual jornal ou revista. Aliás, não lembro bem com era, apenas que um casal estava namorando em um parque quando foram rendidos e, por não terem nem dinheiro e nem objetos de valor, foram amarrados de costas ao outro, amordaçados e deixados apenas de roupas de baixo. Eles conseguiram se comunicar de forma a coordenarem os movimentos para se libertarem das cordas:
"uh-huh!"
"umm?"
"urrrr!"
"mm-mmm..."

A partir desse dia, não se sabe bem a razão, o casal parou de se comunicar por palavras, usando agora o que, para nós, alheios a esse arranjo, parece apenas uma série de grunhidos primitivos.

17 de abril de 2013

(Personagem segurando objeto azul)

Sentou no banco da praça durante seu intervalo de almoço. Havia almoçado sozinho como que para escapar do barulho e da monotonia do escritório e agora estava ali na praça. Precisava de um pouco de sol, vento e tranquilidade. Segurava uma caderneta azul marinho e uma caneta. Na primeira linha da primeira página escreveu: "chega!".

15 de abril de 2013

(Roomates do passado)

Uma japonesa, um suíço, outra japonesa, um argentino, dois franceses, um coreano, outro suíço e eu, um brasileiro, dividindo uma casa simples e antiga num subúrbio australiano. A casa era de uma velha e solitária senhora que talvez quisesse fugir da solidão alugando quartos para estudantes estrangeiros. Eu tinha uns dezoito anos e era a primeira vez que eu morava fora da casa dos meus pais. E longe deles! E com roomates. Alguns mais reservados, outros amigos instantâneos. Comidas diferentes, risadas, filmes, baladas, escola. Mas hoje não me imagino dividir a casa com tanta gente. Só eu e ele na nossa própria bagunça.

E não tenho a menor idéia de onde eles estejam ou o que fazem atualmente, mais de dez anos depois. Até tenho o email de alguns, mas já não temos mais nada em comum, apenas lembranças boas de uma vida já tão distante.

13 de abril de 2013

(Algo roubado)

Trocamos nossos livros favoritos. Um Gabriel Garcia Marques por um Saramago. A idéia era lermos e depois discutirmos os dois livros favoritos de cada um. Mas perdemos o amor, o contato, cada um pra um lado. Levei embora os cem anos de solidão, deixando o ensaio sobre a cegueira para trás. Não costumo reler livros e gostei mais do realismo fantástico de Macondo do que da cegueira branca. Roubei um livro e não me arrependo. Roubei um livro favorito de alguém. Agora é meu favorito. Aliás, um dos favoritos. Não gosto de ter apenas uma opção.

Temps

Não tenho tantas responsabilidades, não tenho filhos, casa própria, emprego dos sonhos. Não tenho financiamento, não tenho carro, não tenho barriga avantajada, mas tenho quase trinta anos.

Os anos começam a pesar. Rugas, cabelos, barba e pelos brancos, entradas. Um pouco de mau humor, de preguiça, de medo de parecer ridículo. Distanciamento, silêncio, livros, música, casa.

Comprei meus primeiros cosméticos para rugas, marcas e olheiras. Inevitáveis sinais do tempo, mas gosto da vaidade de me cuidar. Relógio correndo, morte mais próxima, perda de tempo. Aliás, perder tempo? O tempo continua passando, independente do que eu escolha fazer. Mas o tempo acaba uma hora, independente do que eu faça.

Fecho os olhos caminhando na calçada de volta ao escritório. Vento no meu rosto, calor do sol. Pisco e estou numa praia, qualquer praia. Abro os olhos, calçada, carros, terno. Fecho os olhos, praia.

Deixei a barba crescer. Duas semanas. Ninguém fala nada, mas vejo que pareço mais velho. Alguns pêlos e cabelos brancos, rugas. Me sinto ainda adolescente. Me sinto imaturo, longe de estar no lugar que quero estar. Alguns amadurecem mais tarde, talvez. Será que vou ter mais tempo para ser velho? Me chamam de senhor, não sei se por causa do terno ou da barba. Tem dias que quando estamos juntos no fim de semana nos chamam de meninos.

O tempo passa tão depressa. O fim de semana ainda mais rápido. De repente isso tudo não é para nada. Mas já que estou por aqui, devo ter de fazer algo antes que tudo acabe. Penso em coisas malucas, idéias estranhas, algo para mudar tudo de novo, uma eureka para eu chegar nos quarenta e me sentir mais pleno, mas perto do que eu quero ser.

Enquanto isso passo meus cremes para tentar não parecer tão acabado quando chegar lá.



9 de abril de 2013

Um ano de caos

Quando pedi uma licença do meu trabalho antigo, devolvi as chaves do apartamento que a gente morava e comprei a passagem de avião só de ida pra São Paulo eu não tinha a menor ideia do que ia acontecer.

Ao escrever assim parece apenas uma forma poética, mas a verdade é que eu não tinha mesmo a menor ideia do que iria acontecer comigo dali a alguns dias. Eu poderia ter virado professor, vendedor de livros, freelancer, mas acabei virando advogado.

Mandei uns currículos para um tipo de trabalho que nunca tinha feito e passei meus dias caminhando pela cidade, conhecendo lugares e levando uma vida gostosa de dona-de-casa, apesar de não ter casa e estar meio que morando de favor no apartamento que meu namorado dividia com um amigo.

Pensava sempre em voltar para minha segurança. Chorei alguns dias, achei que não ia dar certo.

Bem, mais ou menos um mês de vida tranquila, apesar de uma certa autosabotagem, e depois de enviar centenas de currículos e preencher vários formulários, recebo um email de um escritório que eu nem havia enviado currículo por achar que nunca me contratariam. E me contrataram.

Nesses meses todos achamos uma casinha que ainda não tem muita coisa e criamos uma São Paulo pequenininha formada pelo caos da Rua Augusta, a liberdade da Frei Caneca e o movimento da Paulista, com as coisas boas e ruins de morar no centro.

Um ano sem carro, um ano mais magro e talvez mais saudável, apesar do pulmão provavelmente estar pior! E um ano que sofri pra caralho em trabalhos que eu não tinha nenhuma experiência, mas que dei um jeito de aprender, sem contar as longas horas do expediente. Um ano que aprendi a me virar com pouca grana, mas sem deixar de me divertir. Um ano que aprendi a me vestir de um jeito mais legal e menos monótono.

E o melhor, sem ter a menor ideia do que vai acontecer daqui a um ano. Sem ter a certeza esmagadora de um emprego público, sem ter a segurança de morar perto dos pais e amigos queridos. E convivendo com tanta coisa diferente de mim, que me tira da zona de conforto.

Onde será que vou estar daqui a um ano?

(Pedido de resgate)

"Estou com seu sonho, leve uma mala com 500$ para a praça perto da sua casa. Venha sozinho ou eu acabo com seu sonho".

Ele nem havia reparado que já tinha alguns dias que andava sem sonho. Achou que o sonho estava descansando ou pensando em novos sonhos. Somente ao ler o pedido de resgate colado em sua janela percebeu que já não sonhava há muitos dias.

Não tinha como juntar esse dinheiro. Por mais que não fosse muito, pouca grana entrava ultimamente. Pensou em desistir daquele sonho e tentar arranjar outro, mas já havia se afeiçoado com esse sonho antigo e meio desgastado, mas ainda assim um sonho ainda não realizado. Não que fosse difícil realiza-lo, mas a partir do momento que conseguisse concretizar o sonho, aquele desejo já não existiria mais. Daí porque quis manter aquele sonho.

Mas como será que alguém conseguiu seqüestrar aquele sonho? Achou que cuidava bem dele, se bem que andava meio descuidado, ocupado demais para pensar em sonhos.

E então acordou.

7 de abril de 2013

(Você é um astronauta, descreva seu dia perfeito)

Os dias andam meio iguais por aqui, sempre essas mesmas estrelas, essa órbita monótona ao redor de algum planeta e esses computadores monitorando e fazendo de tudo. Meus dias favoritos são aqueles em que levanto da minha cápsula, tomo minhas proteínas e carboidratos desidratados, faço meu xixi numa garrafinha especial, afinal de contas essa falta de gravidade é um saco, e em seguida fico olhando de perto alguma estrela, alguma bola de gases grande e luminosa, lembrando das manhãs na Terra. Olho por horas, como que hipnotizado, sentindo o calor, os raios ultravioleta, a luminosidade que me cegaria se não fossem todos esses filtros e proteções na janela. Gosto do silêncio daqui, desse marasmo de ser levado por alguma órbita, até achar uma outra órbita para me levar. Os dias andam tranqüilos, sem surpresas, cheios de introspecção. Penso sempre na Terra, mas tenho receio de não mais me adaptar a toda aquela gravidade

6 de abril de 2013

(Uma atualização de rede social em 2017)

Nem acredito que a gente completou dez anos de namoro! Como passa rápido! Bem, as coisa estão boas apesar da água custar mais que uma garrafa de champanhe. Alias, já tem carta de água nos restaurantes para podermos escolher algumas safras e coletas diferentes. Mas tudo bem, a coca cola custa só alguns centavos.

5 de abril de 2013

(Uma planta está morrendo)

Não tenho muito dom com plantas. Rego, coloco no sol e até converso, mas na maioria das vezes eu acabo com um vaso de folhas secas. Nada de dedos verdes. Gosto mesmo é de comprar flores cortadas na feira livre, afinal elas já estão mortas e apesar de lindas e cheirosas, dali a alguns estarão secas e no lixo.

2 de abril de 2013

(O pior prato que eu já comi)

Adoro comer, sentir os vários gostos e texturas se misturando em minha boca, mas tem dias que seria melhor ter comido um sanduíche de ovo frito. Bem, era um belo jantar em família e de prato principal um risoto de bacalhau. Eu desde pequeno dei trabalho para comer peixe, mas de alguns anos para cá comecei a gostar de sushi e sashimi. Mas entre peixe cru e peixe seco e salgado há muita diferença.

O risoto havia sido feito com todo o cuidado e de tanto bacalhau não se via o arroz. Me serviram logo uma colher generosa e a primeira garfada quase virou uma leve gorfada. Respirei fundo, coloquei bastante azeite e queijo parmesão, mas nada aliviava o terrível, ao menos para mim, gosto de bacalhau. Servi uma boa taça de água para afogar cada pedacinho de bacalhau.

Por fim venci minha Moby Dick seca e salgada, terminando depois de todo mundo. Minha testa suava, mas um leve orgulho estampava meu rosto. Consegui!

1 de abril de 2013

(O que pode acontecer em um segundo)

O tempo dos relógios digitais parece tão silencioso. Gosto mais do tic e tac dos ponteiros e engrenagens. Entre um tic e um tac o tempo pode quase parar, entre uma e outra batida do coração, uma inspiração e uma expiração e ainda nem se passou um segundo. Tempo em câmera lenta, tudo quase parado, passando preguiçosamente. Um segundo. E tudo ficou diferente. Há um segundo eu já sabia isso? Mais um segundo...

Exercícios de escrita

Comprei um livro aparentemente besta com 642 sugestões de temas ("642 things to write about", San Francisco Writter's Grotto), mais ou menos como aquelas aulas de redação da escola, mas sem as professoras chatas e as malditas dissertações e fichas de correção. Não sei se vou dar conta de escrever todos esses seiscentos e quarenta e dois temas, mas vou fazer o tanto que me der vontade, sem tanta pressão. Vou tentar separar os textos escritos espontaneamente por mim daqueles sugeridos pelo livro. Quem sabe eu volto a gostar de escrever.