19 de outubro de 2015

Clarice

Faxinas

Ele acordou e não conseguiu ir ao trabalho. Não era uma doença grave, bastava algumas medicações intravenosas, um atestado e algumas horas para ajeitar de novo a cabeça. Era preciso um dia inteiro para isso.

Uma faxina na casa, uma faxina nele. Enquanto se arruma a casa a cabeça também vai se consertando aos poucos. Ao arrumar a sala, o quarto, a cozinha, sempre se encontra alguma coisa esquecida atrás do sofá, do fogão, da cama. Da mesma forma, algumas coisas ficam escondidas dentro da cabeça. As ideias estão lá dentro, mas escondidas atrás de outras. No meio da faxina ele encontrou uma fotografia sua antiga e sentiu saudade daquele rosto, sorriso e olhos que já foram - e ainda são - seus. Onde estão? Tinha um monte de ideia empoeirada na frente, uma bagunça, mas ele sabia que ele mesmo ainda estava ali. A bagunça é ele também.

A faxina durou o dia inteiro, dentro e fora da cabeça. Quando terminou a arrumação da casa, ainda precisa terminar de arejar a cabeça. Tinha uma bicicleta ali em algum lugar. Encontrou dentro e fora da cabeça. Pegou e foi passear na tarde quente. Vento quente, asfalto quente, cabeça quente. O cabelo balançava, o suor escorria e a cabeça arejava enquanto o sol atrasado do horário de verão descia no horizonte.

Amanhã não vai ter folga. Vai trabalhar dobrado. Mas com a casa e a cabeça menos bagunçadas tudo fica mais fácil.

Quem sabe essa bagunça seja uma forma de ver que o que está bagunçada é a vida mesmo. Ele ainda precisa descobrir como ajeitar a vida, mas uma coisa de cada vez.

15 de outubro de 2015

Um ano depois

Daqui a alguns dias completará um ano que saí de São Paulo. Cheguei em Brasília com muitas malas, muito cansaço e muita vontade de ficar dois meses de férias para arrumar o apartamento e me readaptar. E sem muita ideia do que aconteceria com a minha vida.

Eu estava em licença do meu emprego antigo, então eu poderia voltar para ele em até seis meses após chegar em Brasília, mas o dinheiro que ganhei com a a demissão do emprego de SP já estava acabando e minha poupança foi toda para o novo apartamento. Voltar para o meu emprego público sem graça, usar esses meses até o final da licença para pensar em outros caminhos? Lógico que optei pelo mais fácil. 

Mas não foi fácil. Mesmos rostos, mesma rotina. Parecia que eu não tinha passado quase três anos em São Paulo. Ao menos a cidade estava diferente. Mais eventos, mais festas, mais lugares. E é bom ter uma rotina menos estressante.

Um ano depois quase nada mudou. Continuo na minha muleta pública. Ganho um salário razoável, trabalho oito horas por dia, férias, décimo terceiro, estabilidade. Estou terminando de pagar os empréstimos do apartamento. 

Moro em um apartamento próprio, tenho carro próprio, meu trabalho é estável, moro com quem eu amo, tenho amigos, vejo sempre minha família e tenho saúde. O que mais desejar? Tudo parece ótimo. Preencho todos os requisitos de felicidade da grande maioria da população.

Então eu deveria estar feliz. Deveria procurar um outro trabalho público que pague melhor, comprar um carro mais novo, mudar para um apartamento mais perto do centro da cidade e continuar girando a roda viva até chegar em um super emprego público com um carro importado e, claro, morar em um desses apartamentos gigantes da Asa Sul.

Mas não. Eu quero outra vida. Quero me reinventar. Quero me jogar em um projeto, criar, empreender. Quero aprender outras coisas, conviver com outras pessoas. Quero me arriscar. Quero sair dessa bolha de conforto que tem me aprisionado. Quero enlouquecer.

Quero aprender a fazer café, quero meditar mais, quero desenhar mais, quero cozinhar mais, quero abrir um café, quero dar cursos, quero ter um negócio, quero trabalhar com internet, quero gravar vídeos, quero escrever mais. Quero uma vida mais leve, mais colorida, mais interessante.

Minha vida hoje é simples, mas não tem graça. Não tem desafio. Eu tenho a possibilidade de fazer tantas coisas, mas acabo sem fazer nada. Trinta e dois anos e ainda não consigo escolher um restaurante para comer. Não consigo parar para desenhar, escrever, criar, fazer um simples projeto. Tenho 32 e tenho sido um péssimo amigo, péssimo namorado, péssimo filho, péssimo irmão. Tenho sido um ser humano péssimo, medíocre, frustrado. 

Eu quero ser o melhor de mim. E não quero mais perder tempo girando em um shopping sem saber para onde ir. Quero ter um rumo meu. Quero ser o meu melhor. Quero ser alguém que eu sinta orgulho. E não dá mais pra esperar.

1 de outubro de 2015

Tranks

A vida não melhorou muito, continua mais ou menos igual. Mas algumas ideias começaram a aparecer e, mesmo que sejam só alguns pensamentos soltos, é ótimo poder sair um pouco desse quarto escuro que tem sido minha vida. Não é fácil ficar trancado e sufocado e por mais que essas ideias para um futuro não muito distante possam parecer loucas, acho que vai ser ótimo sair dessa zona de conforto, chata e sem graça. Talvez seja preciso pirar, tirar as rodinhas de apoio da bicicleta e arrancar a tela de proteção. Apesar de concretamente não ter mudado nada na minha vida, dentro deu uma boa mexida.