26 de setembro de 2014

Agora sim

As coisas estão cada vez mais certas. Minha quase ex-chefe me chamou pra almoçar. Frio na barriga.

Mas tudo transcorreu bem. Ela falou da minha rápida curva de aprendizagem, de meu amadurecimento nesses quase três anos e de como é preciso pensar em si, afinal ninguém é insubstituível.

Ainda falta decidir qual vai ser o último dia, mas está cada vez mais perto.

Frio na barriga é uma sensação que tem me acompanhado nos últimos tempos. E é bom sentir-se assim. Mudanças obrigatórias.

E exatamente como eu esperava, começo a sentir um amor sem tamanho por São Paulo. Pelo estresse, pelo engarrafamento, pela quantidade quase desumana de trabalho. Mas amo isso aqui e sinto um pouco de medo de não me readaptar a Brasília. O que vou fazer com o tempo extra, com a calmaria e com a vida cultura mais tranquila?

Nos últimos dias me acostumei a trabalhar mais de 12 horas por dia, comer alguma porcaria na rua, tomar banho e ficar uma hora vegetando nas besteiras da Internet até dormir um sono sem sonho no qual pareço despertar apenas alguns minutos depois de fechar os olhos para então ouvir o alarme tocar e começar tudo de novo. Dia após dia.

E os dias cheios de trabalho agora voam. Nem percebo quando são 18h e meu dia ainda está longe de acabar. E minha lista de pendência não para de crescer, apesar de riscar cada vez mais itens.

A vida vai perdendo significado. Desenvolvo competências, recebo elogios pelo trabalho. E não me enxergo mais nessa avalanche. Será que um dia eu viraria sócio? Será que eu gostaria de virar sócio? Eu até hoje me sinto uma farsa jurídica.

Abrir uma lojinha? Comprar um food truck? Fazer trabalho voluntário? Ser freelancer? Sair do sistema?

Sei lá. Preciso pagar contas familiares que assumi sem nem mesmo saber direito o que estaria me comprometendo.

Mas é isso. Sinto cada vez mais que estou me encontrando exatamente por me sentir ainda mais perdido.

15 de setembro de 2014

Quase lá

As coisas estão ficando mais concretas. Sentei e conversei com minha chefe sobre a volta pra Brasília. Três opções: demissão, licença ou transferência. Frio na barriga.

Logo estarei em Brasília. E não tenho muita ideia de como será. Mas estarei de volta. Frio na barriga.

7 de setembro de 2014

Late bloomer

Brasília é uma cidade seca, cinza e áspera. Mas na pior época da falta de chuva, dos lábios ressecados e da poeira vermelha, surgem os ipês. E por mais que os ipês por si só não mudem mais nada além de colocar um pouco de cor na paisagem esturricada, parece que tudo melhora. Aos poucos a chuva começa a ficar mais frequente, a grama volta a ficar verde e fica mais fácil até de respirar.

Essa lógica funciona também em outros aspectos da vida da cidade (ou da vida de quem é de lá, que carrega essa secura e essas flores de ipês consigo).

Minha vida andou seca nos últimos meses. Claro, tinha ali uma flor de ipê e outras flores safadas de vez em quando. Mas a paisagem continuava seca. De repente parece que todos os ipês dentro de mim estouraram numa floração exuberante. Não mudou muito coisa, mas ao mesmo tempo mudou tudo. Agora eu sinto uma exuberância de quem carrega em si umas flores de ipê. De quem sabe conviver com a estiagem, com a falta de água, mas não se embrutece. De quem sabe que pode parecer alguém seco e morto, mas que de repente explode em flores coloridas. Que demora a florescer, quando parece que todas as outras plantas já estão com flores e frutos.

E então eu acordo, endireito minha postura e falo com a voz de quem há muito tempo não usa as cordas vocais. Olho no espelho e vejo que o tempo passou, mas que verei passar ainda bastante tempo. E muitas outras secas e florações. E muita água.

Minha espécie de árvore é daquelas que não colocam sempre suas flores. Mas as flores estão lá de alguma forma. Um gérmen de flor já está comigo.

E daí que tem seca? Sempre vai ter seca. Mas uma hora ela acaba. E depois volta. E acaba novamente, num ciclo eterno.

4 de setembro de 2014

Frio e na barriga

Eu ando com um frio na barriga. Tudo vai mudar e eu ainda não avisei quase ninguém. Aliás, como se fala que tudo vai mudar? Simplesmente solta de uma vez ou vai com calma? Tudo muda o tempo tempo. Mas além de mudar eu vou me mudar. Encaixotar tudo e desencaixotar em outro lugar. E mudar. E o frio na barriga. Irreversível. Tudo muda. Mas pode voltar. Pode ir. Mas sempre diferente. Frio.