23 de julho de 2020

Pai


Minha mãe mandou hoje a seguinte mensagem:

"Ontem ele segurou firme na minha mão e disse que desejava uma boa morte e que fosse para o céu. E me pediu perdão do que me fez sofrer. E disse que ainda está vivo por que eu trato muito dele. Disse pra ele que também pedia perdão, que me perdoasse, pois sou muito sangue quente. Ele disse que me admira muito, que sou muito boa".

Meu pai está doente. Está de cadeira de rodas e não consegue fazer mais nada sozinho. Desde a semana após seu aniversário de 85 anos em março o seu estado de saúde só piora. Vários médicos o examinaram e passaram vários remédios e exames. A última suspeita é parkisonismo, mas mesmo com a medicação ele não tem melhorado. Imagino tudo o que passa na cabeça dele agora ao sentir que a morte se aproxima. Ele é um ótimo pai e tenho inúmeras lembranças boas dele e muitos ensinamentos. Ele sempre foi muito presente na minha infância. Ele me levava e buscava todos os dias no colégio. E me levava e buscava das festas quando eu era adolescente. Nós nunca brigamos sério, sempre nos entendemos. Ele sempre me chama de "véi", desde que eu era muito pequeno. Eu sou a única pessoa que ele chama de véi. Nunca achei estranho e sempre gostei desse apelido. De vez em quando ele me chama de Vi ou então simplesmente de filho. E sempre me dá sua benção quando nos falamos por telefone ou presencialmente.

A piora do meu pai coincidiu com a chegada da pandemia aqui. Vou sempre na casa dos meus pais aos sábados. Faço as compras para eles no mercado e farmácia. Mas desde março não abraço e nem beijo meus pais e vou sempre de máscara e com álcool em um borrifador. Que saudade de abraçar meus pais. Mas não quero que eles tenham risco de se contaminar com esse vírus.

É muito duro notar que ele está cada vez mais triste por não conseguir mais andar e quase não consegue mais falar. Sua voz está bem baixa e ele não consegue articular algumas palavras. Ele está lúcido, sabe de tudo o que se passa. Reza todos os dias os terços pela TV. Eu ainda tenho esperança de que algum médico vai descobrir um remédio que o vai ajudar a voltar a andar e a falar. Mas ao mesmo tempo começo a tentar me resignar e me preparar para a sua morte.

Não há nada que pudesse me preparar para a dor que tenho sentido. Essa saudade do meu pai de alguns meses atrás que dirigia e fazia piadas com várias pessoas quando saímos para almoçar em algum restaurante. Ou que gostava de contar histórias da sua infância. Hoje em dia ele fica quase o tempo todo calado e o olhar distante. Sempre fica feliz quando eu vou visitar e sempre me abençoa e me deseja uma ótima semana. Imagino o que se passa na cabeça do meu pai. A mensagem da minha mãe hoje mais cedo me encheu os olhos d'água. Meu pai está cansado. O corpo dele está cansado. Ao mesmo tempo que eu quero que ele continue a viver, mesmo que sem autonomia, eu quero também que ele seja feliz. E que saiba que sua vida foi plena, cheia de conquistas, cheia de amor. E tenho certeza de que ele irá encontrar o céu que ele imagina. E que vá reencontrar seus amigos e familiares que já faleceram. E que vai mandar energias positivas para mim e para minha mãe, meus irmãos e seus parentes.

Eu nunca vivenciei o fim da vida de alguém próximo e que eu realmente amo. Quando meus avós ou alguns tios faleceram eu não senti muito. Fiquei triste, mas não foi algo que me impactou. Com meu pai eu venho sofrendo desde a primeira internação. A morte dele parecia algo tão distante, sempre brincamos que ele viveria até os 95 anos, como seu tio-avô e realmente até março ele era muito saudável, fazia tudo o que queria, dirigia, fazia compras, ia ao banco. Ainda teria mais dez anos com meu pai com esses cálculos. Acho que minha frustração é que não controlamos nada, não controlamos o tempo de vida das pessoas que amamos. Mas é tão bom ter um pai presente, amoroso e cheio de histórias. Nunca vou esquecer do meu pai enquanto eu viver. Ele vai sempre estar comigo. É um conexão forte, por algum motivo escolhemos ser pai e filho nessa vida. E sempre estaremos juntos. Sempre vou sentir esse amor tão forte pelo meu pai.

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